segunda-feira, 3 de março de 2014

A Vida está gravida do nada?

A Vida essa segue o seu destino que é dar destino a Vida.

Pode uma gravidez impedir uma vida para dar sentido de vida a alguém. E se for só um desejo ou um beijo? Posso engravidar? 

A Mulher como Vida, como Alma, onde o amor e a vida são a mesma coisa.
Naquela sala de espera, ora vazia ora onde de tudo se espera que aconteça. Naquela cadeira vazia, muitas almas se acolheram entre medos e alegrias. Rosalinda, esperava a sua vez. Sentada agarrada a sua mala, que prendia como se agarra-se uma bóia, ali estava ela não era a única que esperava mas a única naquela condição, gravida. A Rosalinda ia falar com a médica, estava gravida e não podia continuar com aquela farsa, o filho não era seu. O seu desespero era visível pela sua fraca determinação, quase apagada na sala para não ser notada, escondia o que trazia na barriga, um filho que não era seu. Rosalinda estava gravida da "puta! da vida. A criança seria anónima de pai desconhecido, nem ela sabia como aquilo podia ter acontecido. O filho não é seu, é da vida e ela não o quer. Iria ficar perdida e presa num ressentimento a vida na qual ela não quer, ela não quer relembrar um amor que não houve, dói-lhe o peito, a barriga não se vê. Vai falar com a médica para desmanchar. Não quer que saia dela um filho que não é seu. 
Esta rejeição na sua mente tem a sua verdade, se o filho era da vida e se a vida era isto, ela não queria um filho da vida.

Rosalinda, sempre teve pouca sorte, foi traída pela vida, mas acreditou sempre, pouco é verdade, mas que a vida fosse mais do que estar a espera de que algo acontecesse de bom. Filha de operário fabril e de mãe devota, que passava o tempo todo na beatice, uma das preferidas do sr. padre que a tinha em muito boa conta para tratar dos assuntos da igreja e de recrutar fieis ou de os manter. Sua mãe, D. Rosa era tida e achada nas coisas da aldeia, quanto a festas, peditórios e novidades, melhor que revistas tinha sempre a noticia mesmo antes de ter acontecido. O pai Sr. António, nunca faltou um dia ao trabalho e sempre o viram de macaco e de mangas arregaçadas, mesmo na esquina da leitaria, onde ficava horas a conversar sobre os tempos da bola, os golos e do campeonato. Parecia um treinador e ninguém o contrariava o seu clube era o maior. Ao domingo ninguém o via, ficava a ouvir o relato e a imaginar as jogadas. Este casal unido pelo destino da gravidez de D. Rosa aos 17 anos manteve-se sempre unido pelo sagrado matrimonio e a devoção de dar a esta filha um destino fora do que eles conheciam. Deram-lhe o nome da mãe e da avo materna Linda, ficou assim Rosalinda, sem Maria, porque Maria era nome de criadagem, mal sabiam eles que hoje seria nome fino, de gente de bem. O pai daria tudo por esta filha, o braço no dia do casamento, seria o seu orgulho e vê-la a casar com um de bom nome. Ele, o pai sabia que o filho do meio do Sr. Evaristo, contabilista reputado, seria um homem capaz de lhe dar netos e dar segurança a sua filha. Ela seria moça de bem casar. A mãe sempre lhe ensinou tudo, a limpar, arrumar, cozinhar, cuidar, sorrir, ir a igreja e ser boa ouvinte, dizia-lha muitas vezes: - Olha o teu pai, olha! o teu pai. Rosalinda não percebia aquele tipo de recomendações mas seguias com naturalidade mas sem prazer, era uma actividade limpa de tudo. 

A escola não durou muito tempo, parece que não tinha jeito para a coisa e como era para casar não havia grande problema, foi fazendo pela vida no cabeleireiro de sua tia, ajudava a lavar cabelos e fazia as unhas, chegava sempre a horas e não lhe viram namorado, nem alguém babado, pois ao contrario de sua mãe roliça, pequena e de carnes, Rosalinda era esguia, alta, diz-se que saiu a um tio que estava para França, magra mesmo, chegou a ter varias alcunhas entre os rapazes. O pai dizia-lhe sempre: - Oh, miúda, tu come! como vais casar um dia? tu come! Ela era assim e pronto, encolhia os ombros e pronto.
Mas a miúda cresceu e as formas foram assentando e o corpo começou a ser mirado pelo canto do olho por alguns rapazes mais atrevidos lá da zona, e passou a ser comentada. Ela não dava troca, não ligava, não se sentia assim para os rapazes a cobiçarem, era algo estranho, desconhecido mas também misterioso. O desejo. ela que não desejava nada e que apenas li-a muitas novelas muitos contos, muitas "Marias" que era um nome que podia ter tido, ela li-a e ia-se encantando com a fantasia do mundo. Oh, rapariga, dizia-lhe muitas vezes a mãe, Onde andas com a cabeça? pára de sonhar, acordada. E, ia ficando cada vez mais fechada no seu quarto, protegida, sem saber de que tinha medo e alternava entra a sua cama e a janela.
Um dia o Xico, que era mecânico, que por mero acaso do destino também andava de macaco e de mangas arregaçadas, apanhou-a numa esquina e com um toque malandro, entornou-lhe o cesto da fruta fresca que ela tinha ido comprar ao mercado. Desculpou-se e ajudou-a a ir até casa. O Xico era um espertalhão que já tinha ido a Lisboa várias vezes, ia lá buscar peças, mas ficava sempre por lá dois ou três dias, ninguém sabe bem a fazer o quê mas ficava. Bem! deve haver "alguém" que sabe, mas isso não é para aqui chamado. Então, foram falando a janela, onde Rosalinda passou a estar mais tempo do que dentro dos seus livros. Quando o Xico ia a Lisboa, Rosalinda começou a sentir algo que pensava ser qualquer coisa, tipo estar doente, que lhe fazia bater coração e baralhar os pensamentos, talvez gostar, começava a sentir-se muito perto dele, ele entendia e não lhe fazia perguntas. Mais tarde, tudo isto vai dar uma crise de ansiedade e daí a depressão foi um ápice, mas disso falaremos mais a frente se houver tempo ou se for relevante, talvez. Um dia ela pediu-lhe com jeito e carinho, mas a tremer por dentro, se ele precisava de ficar tanto tempo por Lisboa sem dizer nada, é que o tempo aqui torna-se sempre muito igual e apenas espero que regresses, não gosto de estar tanto tempo a janela.
Todos também começaram a fazer mexericos sobre o Xico, que não era de confiar, - Olha que ele não é nenhum anjo! metia sempre um parafuso ou uma parcela a mais na conta aos clientes, todo sabiam, mas aceitavam na esperança de voltarem a ser bem servidos. esperanças vadias que os homens fazem como se fossem pactos que têm entre eles. Ele tinha o poder dos motores nas suas mãos e isso dava-lhe um bom relacionamento com todos. a tia bem que a avisou, não dês conversa ao Xico, olha que ele não é homem para ti, Olha o teu pai, rapariga, olha o desgosto que vais dar ao teu pai! Ela encolhia os ombros e não ligava. A mãe passou a estar de vigia na rua numa cadeirinha sentada, fazendo um bordado ou alinhavando umas bainhas.
Um dia o Xico, a janela, pediu-lhe um beijo e ela corou mas deu e sentiu o gosto da vida dos lábios molhados, chamou-lhe amor e desejou outro no meio do medo de serem vistos ou apanhados e de poder continuar sem fim um beijo na eternidade do tempo. E ao retirar os lábios o Xico segredou-lhe que amanhã iria a Lisboa e que viria o mais rápido possível, assim que pudesse. Ela assim ansiou.
Parou o tempo, e o tempo demorou mais que o tempo prometido e foi ficando muito penoso levar a alma de um lado para o outro. Até que passou do tempo normal e a oficina ficou fechada e o Xico não aparecia por nada na terra, nem a janela. Os comentários estenderam-se aos arredores, ninguém sabia do mecânico e tanta falta que ele fazia aos motores. A Rosalinda deu por si a esperar mais do que habitual e nada nem um assobiu, nada. Sentiu num momento um aperto que algo tinha lhe acontecido de mau, saiu-lhe uma lágrima e depois outra e caiu na cama não conseguindo se levantar. Um peso enorme, uma dor no peito tomou conta dela, tudo escureceu, um dia a mesa perdeu os sentidos, só para não comer. O pai disse com firmeza esta rapariga, não come, come vai um dia casar. A mãe levou-a ao médico e naquela sala de espera onde se espera de tudo e de nada, a médica mandou-lhe fazer uns exames, só que tinham que ser em Lisboa. E, ai, todos os seus sentidos se apuraram. Só uma vez, em miúda, pequena, tinha ido a Lisboa, foram ver o rio, com o tio que tinha vindo de França. E era onde estava o Xico. E pela primeira vez acreditou no destino, teve fé e foi para a Igreja rezar. E pediu, pediu. E foram num carro de praça para Lisboa para fazer os tais exames marcados. Os seus olhos olharam tudo e de Lisboa não viu nada nem o Xico. E regressaram calados, mudos no silêncio daquele que é feito a tristeza e o vazio da alma.

Passou semanas fechada no quarto, nem com a tia queria falar. No meio de tanta fraqueza e medicação tinha que surgir, sem ser convidado, o Delirium que teve de satisfazer-se num recanto escondido da noite, ela sonhou que o Xico a possui-a de tanto amar, e que tinha um filho seu com a cara do pai e rejeitou-o. Sentiu-se suja de verdade. Oferecida por maldade e vazia de conteúdo. Repudiou-o e ao acto em si, revoltou-se na fantasia. Não conseguiu dormir e de manhã resolveu sair para ir falar a médica. E ali está ela sentada, vazia, com a mala no colo, escondendo o que o pensamento lhe dizia. Entrou no consultório a Dr.ª olhou e comentou! estás tão magra minha filha. Dr.ª, ouça, exclamou muito baixo Rosalinda, tem que me ajudar, estou gravida e não quero este filho da vida que não tem pai, nunca serei mãe por culpa, nem mulher por duvida. Doí-me a alma de pensar que algum dia possa ter desejado amar e me entregar a vida, é impossível ter este filho, pois os meus pensamentos estão tão deformados, sinto-me tão inadaptada que prefiro pecar de que ter um filho vazio de sentido. Ele não vai ser saudável. Beijei um homem e desejei-o e só por isso me sinto culpada. Não mereço dignidade, fui infiel ao que queriam para mim. Ninguém merece ter uma vida destas. Querer e não ter, sentir-se só e abandonada pelo destino que não lhe era destinado, sentir culpa por por querer amar e sentir desejo e um grande vazio de alma por não se ser capaz de viver essa vida. Como posso transportar essa culpa dentro de mim e dar-lhe vida. Eu sei, eu sei que alguns são capazes de sentir a vida pala vida dos filhos, dão seguimento ao nome. eu assim não sou ninguém, apenas uma utopia de mim, por isso não sou capaz de dar vida a vida. 

Passou muito tempo e nada se soube do que foi acontecendo a Rosalinda, primeiro porque o narrador foi a Lisboa a procura do Xico e ainda não voltou. Mas depois de muito tempo se ter passado a Rosalinda por fim engravidou, claro depois de casar ou casou por isso, já ninguém se lembra muito bem. Mas hoje têm dois rebentos, uma menina de nome Maria e um rapaz que se chama Francisco, podia ter ficado para tia mas como não tinha irmãos, por graça, lá conseguiu e trabalha num escritório com grandes janelas, em Lisboa, onde passa muito do seu tempo. 
A Vida essa segue o seu destino que é dar destino a Vida.
Ela até se esqueceu da razão porque gostava de estar a janela, e ia para lá sempre que podia, dizia que era da ansiedade e que não gostava de lugares apertados. Casou com um contabilista e aprendeu a conduzir. O que o pai dos seus filhos não sabe é porque ela não o beija, nunca houve um beijo de paixão mas têm dois filhos para criar e uma casa para cuidar, a família está feliz e muitas vezes a Rosalinda está de baixa devido a uma depressão, que é bem diferente da dor que lhe vai no coração.



Álvaro Carvalho, Março 2014

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