Deixei de jogar porque não consigo passar de nível:
Assim me apareceu na consulta.
Preciso de ajuda, tenho estado a jogar um jogo! Ah, então temos …, eu ia dizer um problema, mas contive o meu impulso, naquilo que eu achei ter encontrado para explicar a sua euforia, ele substituiu uma coisa por outra, então depois desta reflexão onde me vale a experiência, apenas disse num tom de levantar a dúvida ao mínimo, como se não tivesse a compreender: Ah, um jogo? Então, na minha perspicaz e lúcida dedução, pois é com muita confiança que faço as consultas e estudei bastante para poder compreender e predizer comportamentos, na minha arrogante astúcia dou por concluído que ele estava a precisar de ajuda.
São poucos os que chegam à consulta neste estado de Determinação, a quererem fazer algo para mudar um comportamento, com o qual tem dificuldade em lidar. Sendo, que por vezes, há uma realidade não acessível, latente, que nas maiores partes das vezes e dos casos, quem tem mais dificuldade em lidar com esse comportamento, que se chama problema, é a família ou alguém próximo. E, o não identificar este problema, ou seja que há um problema, chama-se negação, ou que estão doentes.
Os próprios, mesmo que não tenham reparado nos problemas que têm com isso, mesmo que o seu trabalho seja ingrato, não seja por vocação mas por necessidade, o que pode fazer que, o Eu entre em conflito e provavelmente doenças somáticos. São levados a acreditar que há um mundo melhor, de gratidão onde o Eu se satisfaz nas banalidades do dia-a-dia, sem causa um homem não subsiste, o Eu não se alimenta e regride naquilo que pode vir a ser ou a se desenvolver numa patologia, Esquecido de si, o Self neste conflito existencial, entre aquilo que virá será sempre melhor que aquilo que se tem, por isso só por hoje fica satisfeito na dúvida do sentido, não vá o diabo tecê-las e ele parecer um louco perdido de sentido. Não há justificações, nem tempo para ouvir um homem nas causas, não há causas. Trata-se o Breve em Terapias e depois se a remoção do sintoma der lugar a outro chama-se substituição, e não há cura pois todos podem voltar ao comportamento anterior. Como se isso não fosse óbvio e humano, também se chama processo de recaída a dificuldade de mudança para a “terra prometida”, vais ver que vão gostar mais de ti, que vais-te sentir melhor. Que sentes? Que raio, posso eu sentir, a não ser emoção e a expressá-la, não a quero classificar, não posso, não consigo, não quero. Ah, ponto de exclamação, então temos birra, um Rei Bebé em acção, não se pode agarrar querendo explicar o que é natural, para poder fazer parte de um qualquer relatório, ficar esquecido pelo pó, num arquivo. Neste espaço onde revejo técnicas apreendidas continua a terapia. Bem, disse eu, então compreendi que precisas de ajuda e que é por causa de um jogo. Sim, disse ele com um olhar algo estranho de quem está com pouca paciência e acrescentou, é por causa de um jogo, que me deixa fulo, andava eu todo contente, divertido a jogar, quando dou por mim a ter um problema. Não consigo acho que o sistema está viciado.
O sistema viciado?
Ah, Sim! disse eu, e como é que isso te afecta? Esqueces-te de fazer as coisas necessárias, básicas, como comer, ir a rua, brincar, estar deitado sem fazer nada, de estar com amigos, sexar, amar e ..... e aí "ele", que não sabemos quem é, levantou as suas orelhas e franziu as sobrancelhas e eu pensei, “Eureka, quando caí do sofá” como se tivesse acertado em cheio no seu vazio, que o tinha confrontado com a sua impotência perante o seu comportamento, onde ele se sentia preso numa teia, tecida por ele mesmo. Veio-me a memória um Kuan oriental que diz “Tu és a solução para os teus próprios problemas”. Então pensando ter aberto uma porta aberta, perguntei-lhe com comoção na voz, directo ao assunto como uma seta em direcção ao alvo, na muge. Então! por que não paras? Aí surgiu e mostrou-me um ar suspeito e desconfiado e respondeu, Mas como sabes que eu não parei? Pronto! pensei eu de mim para mim, temos confusão, voltou para Contemplação. Não sei, eu apenas perguntei. E refiz a pergunta como mandam os cânones, então diz-me lá o que se passa com esse problema como o jogo, paras-te ou não paras-te? Ou estás a ter dificuldade em parar. A perspicácia tomou conta da sua certeza e disse-me logo, sem hesitação e algo zangado, que não falou de problema nenhum, e que apenas disse era que precisava de ajuda e que eu o estava a deixar confuso.
Eu? aí identifiquei Negação e vi logo que estávamos com um problema e que se ele não me podia ajudar então era difícil identificar o problema e a mudança necessária para o fazer. Ele, também confuso perguntou-me: mas tenho que mudar de comportamento? Sim, claro! como queres mudar algo que não te está a fazer sentir bem, estás com raiva? Estou? Perguntou-me ele, ainda mais confuso e surpreendido. Então, se eu peço ajuda é porque estou com um problema que não consigo resolver. Lindo “menino”, claro e fiz-lhe um elogio, algo que não se faz em terapia mas que aqui não é desaconselhável pois mantêm o paciente mais submisso ao que eu prefiro chamar de rendido. Esta, talvez tenha sido a consulta mais difícil de ter e parece que estou num beco sem saída, dissemos ambos sem mesmo o dizer um ao outro.
Boa, reflecti eu, estamos a ir bem, fala lá então de ti. Bem o problema é que no jogo, não consigo passar de nível, não consigo mesmo, nem sei como se faz, não conheço ninguém que jogue a isto e estou stuck, deixei de jogar porque não consigo passar de nível.
Será que me podes ajudar a passar de nível ou explicar como se faz, tenho aqui a aplicação. Então entendi tudo, andava a jogar Poker e nõ queria levar "pissadas" ou seja apenas ele queria ganhar com a sua mão que ele achava ser a vencedora, no nível seguinte, um dia, talvez um dia ele aprenda que a frustração faz parte tal como as alegrias. Mas parece que ele valorizava mais as "derrotas" ou seja quando as coisas não corriam bem, ou seja como ele esperava ou queria e esquecia-se do que há jogo até ao fim, tal como a vida, é por isso que aparece o river, algo que lá para os lados do Texas todos queriam atravessar sem problemas e outros preferiam evitar, porque tinha muitas correntes e mudava a sorte dos que o queriam atravessar. É que do outro lado estava novas perspectivas de futuro, terras prometidas e outras mãos. Chegou muitas vezes a perguntar como é que o outro com aquela mão que ninguém joga, ninguém? então para que existe todas as combinações possíveis e probabilidades com 52 cartas saídas de um baralho sem saberem ao que vão. Muitas vezes "ele" disse «Tas a pagar com o quê?» ou Donk ou tatatitata... Chateou-se com as cartas, chateou-se cm ele, zangou-se com amigos. Chateou-se com o jogo e aprendeu a não desistir e a ser humilde, e a confraternizar e a não transformar um jogo numa batalha pessoal, passou a respeitar. Aprendeu que as pessoas são diferentes e vêm as mesmas coisas de forma diferente e que também acreditam em coisas e causas diferentes. Passar de nível para "ele" era começar a ganhar mais e de tão cego que estava que não se apercebia que já estava no nível seguinte com tanta aprendizagem. Pronto podes ir, hoje não há mais consulta.
Notas: Qualquer associação a lugar, pessoa, ou jogo é uma mera coincidência desta imaginação.