O Álcoolismo - Tratamento - IDT.

RESUMO

O presente trabalho visa a aquisição de conhecimentos e competências de intervenção do Psicólogo Clínico e da Saúde no tratamento dos problemas ligados ao Alcoólismo. E disserta-se sobre O Álcool, O Alcoolismo e o Alcoólico, identidades distintas com corpo teórico e bases biológicas, psicológicas e sociais próprias. Com base no Plano Nacional para a Redução dos Problemas Ligados ao Álcool de 2010 – 2012; de Novembro 2009 do Instituto da Droga e da Toxicodependência, reflecte-se sobre o seu terreno de actuação. O tratamento combina várias vertentes sendo o mais eficaz o que combina com a terapia Cognitiva-Comportamental, a filosofia dos Alcoólicos Anónimos, a Prevenção à Recaída e a Entrevista Motivacional. Neste âmbito foi realizada uma visita à Unidade de Alcoologia de Lisboa bem como uma entrevista sobre o papel do psicólogo.


Palavras-chave: Álcool; Alcoolismo; Álcoolico; Bio-Psico-Social; Tratamento.

Com base no Plano Nacional para a Redução dos Problemas Ligados ao Álcool, de 2010 – 2012; de Novembro 2009, (PNRPLA, 2009), do Instituto da Droga e da Toxicodependência, IDT, procura-se entender e descrever como é a situação e intervenção no Alcoolismo em Portugal. O corpo teórico é conduzido ao encontro de um saber que se quer científico, onde se pretendeu conhecer modelos e competências de intervenção da prática clínica na saúde do Psicólogo e em concreto no Alcoolismo. Para isso tornou-se necessário descrever, compreender e explicar o Álcool, o Alcoolismo e o Alcoólico três identidades distintas com corpo e saber próprio.
A Psicologia Clínica define-se como um método, na medida em que postula a avaliação e o diagnóstico criteriosos do sujeito a fim de viabilizar a intervenção com diferentes técnicas. O campo de actuação do psicólogo inserido na área da saúde é voltado para a superação do sofrimento psíquico dos sujeitos (Schneider, 2002).
A saúde e principalmente, a doença, têm sido tradicionalmente objecto de estudo e intervenção da medicina e das ciências (McIntyre, 1994 p. 17). A psicologia ocupa um lugar privilegiado como ciência social e do comportamento para a promoção da saúde e bem-estar. Os psicólogos da saúde actuam no desenvolvimento de programas comportamentais para promover comportamentos para a saúde e extinguir comportamentos de risco (McIntyre, 1994 p. 28).
Sabendo-se que o estado de saúde está intimamente ligado aos estilos de vida, é necessário promover a adopção de comportamentos saudáveis, sensibilizando os indivíduos para a redução dos comportamentos mais prejudiciais para a saúde, facilitando informação que permita decisões autónomas e escolhas informadas, de acordo com a liberdade individual (PNRPLA, 2009, p. 2).
           
O alcoolismo é “uma doença primária, crónica, cujo desenvolvimento e manifestações são influenciados por factores genéticos, psicológicos, sociais e ambientais; a doença é frequentemente progressiva e fatal; caracteriza-se por uma perda de controlo do consumo, permanente ou temporária, com o uso de álcool apesar das consequências negativas e acompanha-se de distorções cognitivas, com particular ênfase para a negação(McQueen, 2004 cit in PNRPLA, IDT, p. 6, 2009)[1]
            Se atendermos à história do consumo de álcool verificamos que a mesma está associada desde sempre à história da civilização humana e à procura por parte do homem de uma felicidade que nunca terá conseguido sentir (Fonseca, 1986).
O álcool emerge na história da Humanidade muito ligado a rituais religiosos das comunidades primitivas, ainda hoje está muito presente nos principais eventos sociais (Deus, 2002). No desenvolvimento da sociedade ocidental o uso do vinho manteve-se associado à simbologia da religião católica e por outro lado os rituais foram substituídos por práticas de cariz social (Deus, 2002).
           O álcool é referido na mitologia, como tendo propriedades mágicas, sendo utilizado em actos religiosos promovendo o contacto com os Deuses, como substancia base de medicamentos e, até mesmo como medicamento (Calado, Barrias & Oliveira, 1979, p. 258).  
           
        Em 2003, segundo dados do World Drink Trends (World Drink Trends, 2005, PNRPLA, 2009)[2] Portugal ocupava o 8.º lugar do consumo mundial, com um consumo estimado de cerca de 9,6 litros de etanol per capita, o que corresponde ao consumo acumulado de 58,7 litros de cerveja, 42 litros de vinho e cerca de 3,3 litros de bebidas destiladas. Portugal ocupa o 4.º lugar mundial relativamente ao consumo de vinho, com um consumo de 42 litros per capita. Em relação ao consumo de cerveja, os dados mostram que Portugal ocupava o 23.º lugar com um consumo de 58,7 litros per capita, traduzindo-se num aumento significativo no decurso das últimas décadas. O consumo de bebidas destiladas situava-se nos 3,3 litros per capita, ocupando o nosso país o 32.º lugar e registando-se um aumento relativamente aos anos transactos (PNRPLA, 2009).

       Segundo Mello et al. (2002), o uso do álcool existiu desde a pré-história, desde que o Homem iniciou o cultivo de cereais e procedeu à fermentação de bebidas. O conhecimento do uso do álcool nas sociedades humanas, associa-se também ao conhecimento, dos efeitos patológicos causados pelo mesmo, documentados em dados bibliográficos e arqueológicos. De acordo com Fonseca (1986), o conceito de alcoolismo como doença, terá surgido no século XIX, após a revolução industrial e como consequência da produção e comercialização de grandes quantidades de bebidas fermentadas. No período da revolução industrial o hábito de beber aumentou sobretudo na classe trabalhadora ampliando-se de forma epidémica (Bauer, 2003). Segundo o mesmo autor foi no século XIX, que a ciência e a medicina iniciaram os primeiros estudos ao nível da catalogação e do diagnóstico sistemático das doenças de natureza mental, que até então eram do domínio da sociedade ou da igreja. Foi neste período que o alcoolismo deixou de ser considerado como vicio e passou a ser visto como conceito de doença (Mello et Al., 2002), a partir desta época a medicina fez um esforço no sentido de compreender e classificar o problema do alcoolismo como doença. As reflexões científicas iniciais, produzidas no âmbito dos primeiros estudos sobre o álcool, mesmo que limitadas, propuseram que o consumo excessivo do álcool tinha causas e consequências, essencialmente biológicas, e contribuíram para que o alcoólico fosse visto em termos sociais como problema clínico e não como problema moral.
O alcoólico passou a ser visto como um doente, deixando progressivamente o estatuto de viciado, como era visto pelas correntes moralistas (Deus, 2002).
          Neste quadro de análise deparamo-nos com vários conceitos, nomeadamente: vicio, habituação e dependência, por vezes utilizados indiscriminadamente, variando de acordo com as épocas e as situações. Na actualidade, nas ciências sociais e médicas o conceito de vício é substituído, pelo conceito de dependência. O conceito de vício tinha um significado mais lato, abrangendo situações psicopatologicas, e situações psicológicas normais (Cardoso, 1996). Segundo este autor a dependência, psicológica, e/ou física, insere-se quase sempre no domínio patológico. Segundo o mesmo autor, qualquer satisfação de uma necessidade pode passar a vício. Um comportamento com tendência a passar a vício, não possa, por si só, ser considerado como doença, a não ser que exista uma perda total de liberdade do sujeito, ou que o indivíduo necessite de ingerir uma substância de qualquer natureza a fim de obter alívio do sofrimento físico. 
            O conceito tradicional de doença alcoólica tem sofrido alterações e mais recentemente justificadas pelas graves consequências sociais que o fenómeno do alcoolismo tem vindo a assumir nas sociedades modernas onde já é visto como uma verdadeira “epidemia” (Fonseca, 1986).
         

Segundo os critérios do DSM IV a dependência fisiológica do álcool é caracterizada pela evidência de tolerância ou pelos sintomas de Abstinência. Em particular quando associada com um historial de abstinência a dependência fisiológica é reveladora de uma evolução clínica globalmente mais grave, isto é, inicio mais precoce, maiores níveis de ingestão e mais problemas relacionados com o álcool (American Psychiatric Association, APA, 2002).
            A característica essencial de Dependência de Substâncias é um conjunto de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos indicadores de que o indivíduo continua a utilizar a substância apesar dos problemas significativos relacionados com o uso da mesma. Existe um padrão de auto-administração, repetida que culmina geralmente em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo (APA, 2002).
            Os critérios para dependência do álcool são também comuns ao de outras substâncias, conforme (APA, 2002). São caracterizados como um Padrão desadaptativo da utilização de substâncias que levam a défice ou sofrimento clinicamente significativos, manifestado por três, ou mais, dos seguintes critérios, ocorrendo em qualquer ocasião, no mesmo período de 12 meses: (APA, 2002).
1)      Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes: A necessidade de quantidades crescentes de substância para atingir a intoxicação ou o efeito desejado e a diminuição acentuada do efeito com a utilização continuada da mesma quantidade de substância;
2) Abstinência manifestada por qualquer um dos seguintes: Sindroma de abstinência característico da substância e a mesma substância, ou outra relacionada, é consumida para aliviar ou evitar os sintomas de abstinência.
3)   A substância é frequentemente consumida em quantidades superiores ou por um período mais longo do que se pretendia.
4)      Existe desejo persistente ou esforços, sem êxito, para diminuir ou controlar a utilização da substância.
5)      É despendida grande quantidade de tempo em actividades necessárias à obtenção (e.g., visitar vários médicos ou conduzir para longas distancias) e utilização da substância (e.g. fumar em cadeia) e à recuperação dos seus efeitos.
6)      É abandonada ou diminuída a participação em importantes actividades sociais, ocupacionais ou recreativas devido à utilização da substância.
7)      A utilização da substância é continuada apesar da existência de um problema persistente ou recorrente, físico ou psicológico, provavelmente causado ou exacerbado pela utilização da substância (e.g., manutenção do consumo do álcool apesar do agravamento de uma ulcera devido ao consumo deste).


            O abuso do álcool carece de menos sintomas e, assim, pode ser menos grave do que a Dependência e só se diagnostica quando tiver sido estabelecida a ausência de Dependência (American Psychiatric Association, APA, 2002). Os sujeitos com consumo abusivo do álcool podem continuar a consumi-lo apesar de estarem conscientes das consequências que disso advêm, nomeadamente, problemas interpessoais ou sociais significativos, como por exemplo, discussões violentas com o cônjuge durante a intoxicação e abuso infantil (APA, 2002).
            Quando o consumo abusivo do álcool é acompanhado por evidente tolerância, abstinência ou comportamento compulsivo poderá ser um caso de Dependência do Álcool em vez de Abuso do Álcool (APA, 2002).
A.    São caracterizados como um Padrão desadaptativo da utilização de substâncias que levam a défice ou sofrimento clinicamente significativos, manifestado por três, ou mais, dos seguintes critérios, ocorrendo durante um período de 12 meses.
1) Utilização recorrente de uma substância tendo como resultado a incapacidade de cumprir obrigações importantes no trabalho, na escola ou em casa (e.g., ausências repetidas ou fraco desempenho profissional relacionado com o uso de substâncias, suspensões ou expulsões escolares relacionadas com a substância: negligencia das crianças ou deveres domésticos);
2) Uso recorrente de substância em situações em que tal se revela fisicamente perigoso (e.g., conduzir um carro ou trabalhar com máquinas quando diminuído pela utilização da substância)
3)   Problemas legais recorrentes, relacionados com a substância (e.g., prisões por comportamentos desordeiros relacionados com a substância);
   4)   Uso continuado da substância apesar dos problemas sociais ou interpessoais, persistentes ou recorrentes, causados ou exarcebados pelos efeitos da substancia (e.g., discussões com o cônjuge sobre as consequências da intoxicação; lutas físicas).
B.     Os sintomas nunca preencheram os critérios de Dependência de Substâncias, para esta classe de substâncias. (APA, 2002).

A característica mais importante da Intoxicação pelo Álcool é a manifestação de alterações comportamentais ou psicológicas desadaptativas, clinicamente significativas, por exemplo, comportamento sexual ou agressivo desadequado, labilidade de humor, perturbações da capacidade de discernimento, diminuição do funcionamento social ou ocupacional, Critério B, que desenvolvem durante ou imediatamente a seguir à ingestão do álcool, Critério A. Estas modificações são acompanhadas por evidencia de discurso empastado, descoordenação, marcha instável, nistagmo, défices na atenção ou na memória, estupor ou coma, Critério C. Estes sintomas não deverão ser originados por um estado físico geral ou outra perturbação mental, Critério D. O quadro resultante é parecido ao observado durante uma Intoxicação por Benzodiazepinas ou Barbitúricos. A evidencia da ingestão do álcool surge devido ao hálito com cheiro a álcool, através da obtenção da história relatada pelo sujeito ou um observador e se for caso disso através de análises toxicológicas do sangue, urina ou ar expirado (APA, 2002).
A característica mais importante da Abstinência do Álcool é a presença de uma síndrome de abstinência específica que se desenvolve após a paragem, ou redução da utilização prolongada e maciça de substâncias alcoólicas, Critérios A e B,. Para o diagnóstico de síndrome de abstinência devem coexistir 2 ou mais dos seguintes sintomas: hiperactividade autonómica (e.g., diaforese ou pulsação superior a 100); aumento do tremor das mãos; insónia; agitação psicomotora; ansiedade; náuseas ou vómitos; e, raramente, convulsões do tipo grande-mal ou alucinações ou ilusões visuais, tácteis ou auditivas transitórias, que devem ser especificadas de acordo com o quadro de Com Perturbações da Percepção. (APA, 2002).
Os sintomas de abstinência causam sofrimento ou défices clinicamente significativos no funcionamento social, ocupacional e outras áreas importantes, Critério C. Estes sintomas não deverão ser originados por um estado físico geral ou outra perturbação mental, (e.g., Abstinência de Sedativos, Hipnóticos ou Ansiolíticos ou Perturbação da Ansiedade Generalizada) Critério D, (APA, 2002).
Os sintomas de abstinência são geralmente minorados pela administração de álcool ou outro depressor cerebral. Tipicamente os sintomas iniciam-se quando as concentrações de álcool no sangue diminuem bruscamente, isto é, 4-12 horas, depois da utilização do álcool ter parado ou ter sido reduzida. Devido às características do álcool os sintomas de Abstinência do Álcool são mais fortes no segundo dia de abstinência e geralmente melhoram bastante ao quarto ou quinto dia. No entanto após Abstinência aguda, sintomas como ansiedade, insónia e disfunção autonómica podem persistir durante 3-6 meses, embora menos intensos. (APA, 2002).
A American Psychiatric Association, (2002), não dedica nenhuma classificação, especifica, a outras perturbações induzidas pelo álcool, como sendo, o Delirium de Intoxicação Pelo Álcool; Delirium de Abstinência do Álcool; Demência Persistente Induzida pelo Álcool; Perturbação Mnésica Induzida pelo Álcool; Perturbação Psicótica Induzida pelo Álcool; Perturbação do Humor Induzida pelo Álcool; Perturbação da Ansiedade Induzida pelo Álcool; Disfunção Sexual Induzida pelo Álcool e Perturbação do Sono Induzida pelo Álcool, uma vez que as mesmas são descritas juntamente com as perturbações com as quais partilham fenomenologia.
    
            A Etiologia do alcoolismo segue o esquema etiológico triangular clássico em saúde pública, tendo por objectivo manter bem presente o carácter multidimensional do fenómeno desta temática, o alcoolismo. Neste modelo cada doença é definida a partir de três pontos de vista: o agente, o hospedeiro e o meio (Roussaux et al.; 2002). O aparecimento da dependência do álcool obriga a um contacto inicial entre o tóxico (o álcool da bebida) e o organismo vulnerável (Mello et al., 2002). Na temática em estudo, o etanol é o agente que cria patologia, mas em si mesmo nem sempre é patogénico. Se forem ingeridas grandes quantidades de etanol, o álcool vai provocar no Homem uma cadeia de reacções reprodutíveis a esta substância, nomeadamente a dependência e tolerância (Roussaux et al.; 2002). Na reacção do hospedeiro quando confrontado com o agente existem consideráveis diferenças que são determinadas pelo que L. Binswanger intitulou de funções vitais (os factores genéticos e a estrutura psíquica) e a história interior da vida (Roussaux et al., 2002). Na actualidade aceita-se que a componente genética de cada sujeito determina a sua relação de risco face ao álcool e, assim sendo, esta varia de sujeito para sujeito e por vezes de família para família. Esta relação de risco é influenciada por aspectos do metabolismo de cada indivíduo bem com por variações na actividade enzimática interveniente no sistema de oxidação hepática do etanol (Mello et al., 2002). O álcool interage, de uma forma complexa e global, no conjunto de todos os neurotransmissores cerebrais. O álcool não tem um campo de acção específico, ele ataca todos os receptores e todas as membranas celulares, alterando as suas composições, estruturas e funcionalidades (Adés e Lejoyeux, 1997). As características psicológicas de um sujeito podem ser encaradas como o resultado de factores genéticos e do meio ambiente em que o indivíduo vive e se desenvolve (Edwards et al., 1999).
Segundo (Mello e tal., 2002), os factores mais importantes relacionados com o meio são os sócio-culturais e os económicos. O álcool e os seus estereótipos fazem parte da cultura. O álcool faz parte do quotidiano e alguns estilos de vida assentam totalmente no consumo de álcool (Ferreira-Borges & Filho, 2004). Em determinadas populações, devido aos seus valores culturais e sociais, o consumo do álcool desempenha um papel importante. Existem culturas que não permitem o uso do álcool mas outras há que são permissivas e onde o consumo do álcool é encorajado (Edwards et al., 1999). O consumo de vinho faz parte da cultura portuguesa com tradição rural e forte vínculo familiar. Faz parte da rotina diária e é consumido essencialmente às refeições (Ferreira-Borges & Filho, 2004). O meio familiar pode ser exercer um grande influenciador no consumo de bebidas alcoólicas. Além de factores genéticos é provável que os filhos “herdem” os hábitos familiares, nomeadamente os de ingestão de bebidas alcoólicas e outros valores e crenças relacionadas com o álcool (Edwards et al., 1999).

            Ao longo da história ficou provado que a redução do preço do álcool tende para o aumento do seu consumo. Quanto mais fácil for o acesso ao álcool maior o consumo. (Edwards et al., 1999). No entanto o consumo de bebidas alcoólicas traz benefícios fiscais para os estados através dos impostos aplicados sobre as mesmas, que segundo a O.M.S. em 2001 chegam a ser 23 % das receitas (Ferreira-Borges & Filho, 2004).

O consumo de álcool durante a adolescência aumenta a probabilidade dos de consumos excessivos na idade adulta bem como o risco de desenvolver dependência (Dawson et al., 2008 cit in PNRPLA, 2009) [3]; verificam-se ainda consequências a nível do sistema nervoso central, nomeadamente, défices cognitivos e de memória, limitações a nível da aprendizagem, bem como o aumento da criminalidade ao atingirem a idade adulta. (Jefferis et al., 2005 cit in PNRPLA, 2009)[4].
Durante a gravidez se a mulher ingerir bebidas alcoólicas a toxicidade do álcool pode afectar o desenvolvimento do embrião e do feto. Considerando-se por isso que qualquer consumo nesta fase um consumo com risco. (PNRPLA, 2009). A ingestão regular de bebidas alcoólicas em quantidades acima de 2 a 3 bebidas/dia, para o homem e 1 a 2 bebidas/dia para a mulher exponencia a probabilidade de surgirem doenças diversas, tais como as ligadas ao aparelho digestivo e cardiovascular, doenças neurológicas, neoplasias digestivas e da mama e ainda transtornos psiquiátricos (PNRPL, 2009).
Beber até à embriaguez (intoxicação aguda) diminui a capacidade de raciocínio, da tomada de decisões e da capacidade de autocontrolo do comportamento. No estado de intoxicação aguda os sujeitos podem manifestar desinibição dos impulsos sexuais, uma maior agressividade favorável a discussões, terem comportamentos agressivos, relações sexuais desprotegidas ou sofreram de abuso sexual. Neste estado o sujeito tanto pode ser agressor como vitima. O facto de existir uma deterioração da coordenação motora pode originar acidentes e lesões como por exemplo os acidentes rodoviários e laborais (PNRPL, 2009).
Considera-se vários Tipos de Consumo de Risco, que podem ser caracterizados por um tipo ou padrão de consumo persistente que pode provocar dano, a nível de acidentes, transtornos mentais ou de comportamento e lesões. Binge Drinking,  e um consumo esporádico excessivo, estando associado a uma maior probabilidade de sofrer consequências adversas. O consumo nocivo provoca danos à saúde tanto física como mental” mas que não satisfaz os critérios de dependência (PNRPL, 2009)
O álcool é tido como um problema de saúde pública. Na actualidade, em todo o mundo ocidental, o alcoolismo deve ser encarado como um problema de saúde pública e como tal merece acções e medidas que objectivem a promoção da saúde dos cidadãos. A taxa de prevalência varia entre 1% e 10% da população, oscilando em função das várias definições de alcoolismo e dos critérios de medida (Roussaux et al., 2002).
            Em grande parte das culturas, o álcool é a substância depressora de maior uso continuado e está na origem de uma considerável causa de morbilidade e mortalidade (American Psychiatric Association, 2002). Carvalho (2003), desmistifica as hipotéticas vantagens de um consumo moderado de álcool e acentua a recomendação da O.M.S. segundo a qual os riscos são de tal maneira significativos que é melhor não valorizar os hipotéticos benefícios.
            O consumo de álcool está muito relacionado com a sinistralidade rodoviária, que no caso de Portugal apresenta valores dramáticos (Clímaco & Ramos, 2003). No entender de Mello et al., (2002), há um elevado número de doentes alcoólicos a dar entrada nos Hospitais Gerais devido a doenças directas ou indirectamente ligadas ao consumo abusivo de substâncias alcoólicas, no entanto a problemática de base nem sempre é valorizada. As manifestações clínicas neuropsiquiátricas relacionadas com o alcoolismo crónico são quadros que aparecem a médio e longo prazo e que podem advir da acção tóxica do álcool ou de outras substâncias com ele relacionadas.
            Existe uma relação inquestionável entre o volume de álcool consumido e o risco de desenvolvimento de problemas mentais, pessoais, familiares, sociais, laborais e físicos, tais como, dependência e lesões orgânicas, bem como danos não intencionais, violência, suicídio, homicídio e acidentes de viação. É de registar que 40 a 60% das mortes relacionadas com lesões, intencionais ou não, poderão ser atribuídas a este tipo de consumo (Anderson, 1999; Britton et al., 1999; OMS, 2001; Jernigan, 2001; Leifman et al., 2002; Nörstrom, 2002; cit. in Ferreira-Borges & Filho, 2004).

A Organização Mundial de Saúde (OMS, 1992 cit in PNRPLA, 2009)[5], define que o alcoolismo é uma doença primária, crónica, com factores genéticos, psicossociais e ambientais. A doença é geralmente progressiva e fatal. Primária porque é uma entidade em si própria não é causada por outros factores. É crónica porque a pessoa não volta a beber de forma controlada ou normal e é progressiva porque os sintomas e as consequências continuam a ocorrer com gravidade crescente e utilização continua (Scheel, 2001, pp. 90-92).
Em Portugal o Tratamento constitui um dos pilares fundamentais da acção estratégica do IDT na diminuição de riscos e das consequências dos consumos de substâncias psico-activas numa abordagem Bio-Psico-Social. Segundo Ribeiro (2007) a prevenção deve começar pelos factores de risco, nomeadamente pelos comportamentos que emergem de estilos de vida que resultam em doenças associadas.

O presente Plano Nacional para a Redução dos Problemas Ligados ao Álcool pretende, antes de mais, operacionalizar a maioria das intenções explicitadas no Plano de Acção contra o Alcoolismo, e o seu objectivo primordial consiste em reduzir de forma significativa o consumo nocivo de álcool entre a população e diminuir os seus efeitos perniciosos em termos sociais e de saúde (PNRPLA, IDT, 2009, p. 1).
A eficácia das intervenções em geral está intimamente associada ao conjunto das boas práticas levadas a cabo por profissionais competentes. Os indivíduos com dependência, bem como os que apresentam co-morbilidade médica, psiquiátrica ou aditiva, devem beneficiar de tratamentos mais intensivos, ministrados por profissionais especializados, em Unidades específicas (PNRPL, 2009, p. 7).
A dependência alcoólica corresponde a um conjunto de fenómenos fisiológicos, cognitivos e comportamentais que podem desenvolver-se após uso repetido de álcool. Inclui um desejo intenso de consumir bebidas, descontrolo sobre o seu uso, continuação dos consumos independentemente das consequências, uma alta prioridade dada aos consumos em detrimento de outras actividades e obrigações, aumento da tolerância ao álcool e sintomas de privação quando o consumo é descontinuado (OMS, 1992 cit in PNRPLA, 2009)[6].
A doença Adictiva ou adicção é uma doença em que a pessoa desenvolve dependência bio-psico-social de qualquer substância que altere o humor “ Uma relação patológica de amor e confiança com um objecto ou acontecimento” (Nakken, 1988, p. 22). A adicção leva a pessoa a obter gratificação imediata e desconforto a longo-prazo (Gorsky, 1986, p. 18). Quando não usa a pessoa que sofre de adicção, pensa, planeia e só deseja voltar a usar e isso é a obsessão. A compulsão é a urgência irresistível de satisfazer essa necessidade e usar de novo. Cria-se um Ciclo Adictivo onde o pensamento adictivo é activado pela obsessão e compulsão que levam à negação, incapacidade de reconhecer que existe um problema e à Racionalização, acusar e atribuir a causas externas a responsabilidade (Gorsky, 1986, p. 23).
Nas últimas décadas, tem sido feito um esforço pela medicina na identificação das doenças, através de sinais e sintomas, exames, diagnósticos, testes, avaliação para identificação das suas causas e investigação da eficácia dos tratamentos (Cunha Filho H., 2004, p. 138). Torna-se importante a definição de um quadro claro sobre o cliente, que permita a decisão sobre como ajudar a cada momento do processo (Cunha Filho H., 2004, p. 141). Para isso a utilização de instrumentos baseia-se numa abordagem sistematizada com a triagem e a avaliação. Por triagem entenda-se que:
“É o processo através do qual terapeuta, cliente e outras pessoas significativas determinam a acção mais apropriada a seguir, de acordo com as necessidades e com os recursos disponíveis na comunidade”. (Cunha Filho H., 2004, p. 136)

Na Avaliação o que é tido em conta é o desenvolvimento físico e problemas médicos e de saúde, HIV, Hepatites, tuberculose história dos consumos, tentativas de parar de usar, outros tratamentos, problemas associados aos consumos psico-sociais, desordens psiquiátricas, família, relações significativas, área educacional e vocacional e ainda legais e financeiros (Scheel, 2001, p. 133).
 A triagem e a avaliação permitem escolher e adaptar o melhor setting para o paciente e o tratamento é composto por uma série de abordagens quer com bases biológicas, comportamentais e psico-sociais. Na abordagem biológica, farmacológica é usada o dissulferam, um anti-abuse que interfere com o metabolismo do álcool e causa efeitos desagradáveis na pessoa se o ingerir, sendo muito usado com sucesso na prevenção à recaída (Scheel, 2001, p. 108). É nas variantes comportamentais e ou psico-sociais que se incluem modalidades de tratamento em consulta, em ambulatório ou semi, bem como o internamento hospitalar, comunidades terapêuticas em regime de internamento, havendo programas diversos, quer no tempo, quer nos modelos de intervenção adoptados (Scheel, 2001, p. 112).
Os critérios de encaminhamento da ASAM, American Society of Adiction Medicine, em Portugal APMA, Associação Portuguesa de Medicina de Adicção, com o  o Placement Patient Criteria,  PPC-2r, propõe seis Níveis e seis Dimensões para a abordagem da adicção: Nível 0,5-intervenção precoce para as situações de abuso; Nível I-tratamento ambulatório; Nível II-ambulatório intensivo; nível III-tratamento residencial/internamento, CT; Nível IV-Internamento com apoio médico e psiquiátrico intensivo e Nível TMO-tratamento de Manutenção Opiácea de substituição. Quanto as dimensões o PPC-2r, define: Dimensão 1-intoxicação e sindroma de privação aguda; Dimensão 2-condição biomédica e complicações físicas, eixo III do DSM IV; Dimensão 3-estado emocional, comportamental e cognitiva, eixo I e II do DSM IV; Dimensão 4-prontidão e disponibilidade para a mudança; Dimensão 5-potencial para a recaída e Dimensão 6-ambiente de recuperação e sistemas sociais de apoio, eixo IV e V do DSM IV. Com base nestas dimensões torna-se possível uma intervenção estruturada (Henriques, 2003)[7].
Nos programas de tratamento são várias as abordagens que passam desde os grupos de auto-ajuda de alcoólicos Anónimos, aconselhamento individual e de grupo e deve ser incluída também a terapia familiar e as estratégias, skills básicos e avançados para modificação do comportamento e dos crenças com intervenções cognitivas-comportamentais (Scheel, 2001, p. 106).
Em Portugal, O IDT, Instituto da Droga e Toxicodependência tem no seu Plano Nacional os objectivos de promover a qualidade de intervenção, a investigação, elaboração de informação actualizada, promoção de intervenções formativas dirigidas a profissionais, monitorização e avaliação contínua das intervenções nos três níveis de cuidados primários de prevenção, secundários de tratamentos e terciários de reinserção (PNA, 2009, pp. 42-57). Este plano define áreas prioritárias de intervenção, que incide nos jovens, crianças e grávidas, bem como diminuir a exposição ao fenómeno do álcool e redução dos consumos, redução da sinistralidade rodoviária e prevenir os efeitos nocivos do álcool nos adultos e reduzir as repercussões negativas no local de trabalho com PAE, Programas de Apoio aos Empregados (PNA, 2009, p. 35). No campo de intervenção secundária encontra-se o tratamento:
“Os programas de tratamento devem ser contemplados de forma a responder com eficiência às necessidades da população com consumos problemáticos de álcool” (PNRPLA, 2009, p. 37).
Assim, estabelecem-se redes de referenciação e articulação por diferentes vectores de actuação de forma a melhorar às necessidades de tratamento. No nível terciário temos a reinserção social tendo como função apoiar os indivíduos no restabelecimento do equilíbrio interno bem como na aquisição de autonomia e liberdade nas suas vidas (PNRPLA, 2009, p. 38).
As Comunidades Terapêuticas, CT, com programas de internamento focam-se na recuperação total dos indivíduos, objectivando uma aprendizagem de mudança dos comportamentos negativos, de pensamentos e emoções que possam predispor ao consumo de álcool (Scheel, 2001, p. 90).
O Modelo Bio-Psico-Social emergiu para compreender toda a problemática associada aos consumos do álcool (Scheel, 2001, p. 91). A predisposição hereditária, as alterações químicas no organismo, nas funções mentais, no lobo frontal, na área de Wernicke, entre outras, provocados pelos consumos de álcool bem como os seus efeitos na vida pessoal e da sua integração social e levam a necessidade de uma compreensão holística (Scheel, 2001, p. 91).
As pessoas tentam parar sozinhas mas a eficácia é baixa e o tratamento é a via mais segura. Neste modelo não se fala em cura mas sim em recuperação. Sendo que o primeiro passo é a desintoxicação, cujo objectivo é, ajudar a estabilizar o paciente na sua condição física e psicológica (Scheel, 2001, p. 99).
O Tratamento com mais sucesso para a dependência química é o que combina os princípios e o programa dos Doze-Passos dos Álcoolicos Anónimos (A.A.), com Aconselhamento e Terapia Profissional na vertente cognitiva-comportamental (Gorsky, 1986, p. 25). Por direito próprio o tratamento mais efectivo é a abordagem bio-psico-social que combina a filosofia dos A. A. com a entrevista motivacional e a prevenção à recaída (Scheel, 2001, p. 215).
Os grupos de auto-ajuda dos alcoólicos Anónimos têm como filosofia de base um programa de Doze-Passos e Doze-Tradições (A.A.)[8], são homens e mulheres alcoólicos com o desejo de parar de usar que se reúnem com regularidade com o sentido de se auto-ajudarem no caminho da recuperação. Este programa tem o seu início nos anos trinta com Bill W. e Dr. Bob. Bill era um álcoolico, corretor da bolsa, com sérios problemas provocados pela ingestão de álcool. Apesar de querer parar não percebia porque voltava a beber. Um dia com uma forte vontade de beber resolve pedir ajuda e vai falar com Dr. Bob, um médico da localidade com graves problemas de álcool. Não vai com o intuito de o ajudar mas pede-lhe cinco minutos do seu tempo para se poder ajudar a ele, porque tem fortes vontades de beber mas não pode. Falaram cerca de cinco horas sobre o que acontecia quando bebiam, não das memórias eufóricas, mas do problema do primeiro copo e da forma como perdiam o controlo e como se sentiam. As vontades de beber foram-se e juntos resolveram manterer a abstinencia pela “partilha” procurando ajuda e dando a outros, no dia 10 de Junho de 1935 fundam os Alcoólicos Anónimos (Scheel, 2001, p. 115). Os Doze Passos nasceram assim para as pessoas com problemas de álcool poderem se ajudar, serem ajudados e darem ajuda para se manterem sóbrios. São um grupo de voluntários onde não há lugar a descriminação, não olham a raça, ao sexo, a religião. O anonimato é uma forma de protecção dos seus membros. Os A.A. acreditam que o Alcoolismo é uma doença que não pode ser curada mas que a sua progressão pode ser travada pela recuperação. São uma Organização Mundial com mais de 15 milhões de pessoas em 134 países (Scheel, 2001, p. 116).
O Modelo Minnesota baseia-se na filosofia dos A.A. e dos seus Doze-passos. Em meados do Século XX, as Instituições Psiquiátricas e Hospitais, sofriam uma revolução e homens com Daniel Anderson e Nelson Bradley do Wilmar State Hospital, são os arquitectos principais da experiência multidisciplinar e fundam em 1950 aquele que é hoje o método Minnesota (Margalho Carrilho, 1996) acreditavam no potencial do paciente para a sua recuperação numa fusão genial e pragmática de princípios oriundos das ciências médica e psicológica e estrutura vivencial em comunidade associando a filosofia dos Alcoólicos Anónimos. Instituições como Hazelden Foundation, O Centro de Estudos Científicos Betty Ford, Pioneer House entre muitos de renome adaptaram esta abordagem para tratamento das pessoas com problemas com o álcool. No Modelo Minnesota a abordagem é caracterizada por uma avaliação completa, holística e sistémica, multimodal num contexto Bio-Psico-Social. A composição da equipa é multidisciplinar e o seu principal objectivo é de que a abstinência é um pré-requisito e o tratamento fornece ferramentas ao cliente para aprender novas maneiras de viver sem o uso de álcool. O seu objectivo final é a mudança de personalidade e de pensamento. Os programas de Prevenção à Recaída são uma peça fundamental deste modelo (Scheel, 2001, p. 118)
A recaída é considerada como um sintoma do álcoolismo. Estudos demonstram que 54% das pessoas recaem e que desses apenas 1/3 vão se manter sóbrios ao longo da sua vida (Simpson, Joe & Lehman, 1986 cit. in Scheel, 2001, p. 237)[9]. Metodologias de prevenção de recaída são importantes para o sucesso do tratamento. O Modelo de Gorsky para a prevenção à recaída aponta para que 1/3 dos pacientes nunca recai, o outro 1/3 que recai tem sucessivas recaídas antes de entrarem em recuperação e há, ainda, os que nunca vão entrar em recuperação (Gorky, 1986, pp. 9-12). Gorsky estudou, o porquê, das pessoas apesar de quererem parar e manterem-se sóbrias acabavam por recair e identificou três fases com Disfunção Interna, Externa e Perda de Controlo, com sinais específicos, que aumentam o risco de recaída e identificáveis e se forem identificados pode-se actuar e ajudar o paciente a reduzi-los ou a aprender a lidar com eles (Gorsky, 1986, pp. 9-12).
O modelo bio-psico-social de Gorsky considera que os objectivos genéricos de um programa de recuperação são: Reconhecer a dependência química como uma doença; Aceitar a necessidade de abstinência total; Estabelecer um programa para manter a abstinência; Diagnosticar e tratar problemas bio-psico-sociais que possam interferir com a sobriedade (Henriques, 2003)
O conceito de processo de recaída vai contra a ideia tradicional de que a recaída começa com o uso de álcool. “Muitas pessoas tornam-se disfuncionais em sobriedade, antes de recomeçarem a beber” (Gorsky, 1986, p. 14). A abstinência permite o processo de recuperação e começa com a aceitação do que a pessoa não pode usar de forma controlada e segura o álcool. Reflectindo sobre o que aconteceu com ajuda terapêutica o processo de mudança começa a acontecer, no entanto, apesar de ser esse o ponto de partida para uma vida normal, aprender a viver de forma satisfatória sem beber requer muito mais e torna-se necessário corrigir os danos físicos, psicológicos e sociais causados pela adicção (Gorsky, 1986, p. 15).
Recuperar implica parar e mudar de um locus de controlo mais externo para um mais interno. A gestão de sintomas de abstinência que surgem após a fase aguda de desintoxicação, Sintomas de Abstinência a Longo-Prazo, ALP, são o que torna para os alcoólicos a sobriedade tão difícil (Gorsky, 1986, pp. 27-28). De acordo com Gorsky estes sintomas podem ter diversos padrões e aprender a lidar com eles requer estratégias e podem ser controlados pela estabilização, educação e reaprendizagem, nutrição, exercício físico, relaxação, espiritualidade e uma vida equilibrada (Gorsky, 1986, pp. 33-40).
Mudar provoca stress, nos seus estudos sobre o que leva as pessoas a recaírem? Gorsky identifica que as pessoas que recaem não têm consciência dos primeiros sinais de aviso e identifica 37 sinais que se manifestam em três fases principais e dez etapas até ao acto de beber ou ao colapso físico e emocional (Gorsky, 1986, pp. 72-84). Os programas de tratamento acompanham os pacientes nestas fases de mudança de forma a reduzir os riscos de recaída, sendo os pacientes encorajados a irem as reuniões dos grupos de auto-ajuda dos A.A. como forma de seguirem um programa e se manterem no estágio de manutenção (Gorsky, 1986, p. 105).

A motivação para mudar é abordada por Miller & Rollnick na seu livro “Preparar as pessoas para Mudarem os seus Comportamentos Adictivos” de 1991, de um modo mais tradicional, a motivação, é muitas vezes vista como: Concordar com o terapeuta, aceitar o seu diagnóstico, admitir que se é um alcoólico, expressar um desejo real de querer recuperar e de precisar de ajuda e seguir os conselhos. E, que se o paciente não apresentar estas características não está suficientemente motivado. Gorsky, nas suas palestras, refere-se ao conceito de doença e a como se pode recusar ajudar uma pessoa que não sabe que precisa de ajuda mas que no entanto sofre com isso, “Como podemos dizer a uma pessoa que sofre de um ataque de coração, - «pedimos desculpa mas este é o seu terceiro ataque e assim não o podemos ajudar mais»”. As declarações por si só não dão garantias de que se vai mudar o que parece resultar é um plano de acção e de prevenção (Miller & Rollnick, 1991, p. 12). Aqui é da responsabilidade do terapeuta usar técnicas especiais para aumentar as probabilidades do sucesso da mudança dos comportamentos adictivos usando abordagens efectivas de motivação.
O Modelo Transteórico de Mudança desenvolvido por Prochaska e DiClemente  teve um impacto significativo no campo das adicções, através do conceito de estágios de mudança. Os autores diferenciaram as etapas pelas quais qualquer pessoa passa quando vivência um processo de mudança de um comportamento (Carneiro & Gigliotti, 2004, p. 99). Neste modelo as mudanças ocorrem em etapas progressivas e cada etapa possui características próprias, sendo necessário a utilização de recursos técnicos diferenciados em cada momento (Miller & Rollnick, 1991 p. 56).
Este modelo influência drasticamente a maneira de trabalhar dos profissionais de saúde que operam mudanças no comportamento. Os estágios de mudança de Prochaska e DiClemente, “The Well of Change” (Miller, Rollnick, 1991 cit. in Ferreira-Borges & Cunha Filho, 2004, p. 99)[10] são: Pré-Contemplação; Contemplação; Preparação; Acção; Manutenção e de Recaída ou Lapso podendo haver uma saída permanente ou reentrada na “roda”. Em Pré-Contemplação, o sujeito, não tem consciência do seu problema e não quer modificá-lo. Podendo ser trazido para tratamento sob coerção. Os Pré-Contemplativos dividem-se em quatro tipos: Os 4r’s, relutantes, rebeldes, racionalizadores e os resignados. É um grande erro acreditar que não se pode fazer nada por eles (Carneiro & Gigliotti, 2004, p. 101) e a grande meta é ajudá-los a tornarem-se contempladores, a começarem a questionar o seu comportamento. Na Contemplação ou ambivalência, o cliente aceita a ideia de que tem um problema mas rejeita-o, começa a reflectir sobre aquilo que o tem vindo a prejudicar mas no entanto sente-se dividido, tem razões para mudar e razões para não mudar, ainda não tomou uma decisão. Aqui o papel do terapeuta será ajudá-lo a passar para a outra fase, ou seja, fazendo pender a balança e preparando-o para a acção. O momento da acção é onde a pessoa se envolve objectivamente na mudança de comportamento (Carneiro & Gigliotti, 2004, p. 102). Neste estágio concretiza as mudanças planeadas e implementa o plano delineado no estágio anterior. Interrompe o comportamento que o tem prejudicado. A fase de consolidação da prática dos planos de acção é a manutenção. Este estágio perpetua-se por toda a vida sendo assim atingido a saída permanente.
Muitas vezes o cliente baixa a guarda, diminuem as suas preocupações de manutenção, por vezes imagina-se curado, e aqui o processo pode se inverter e levar a uma recaída ou lapso. A recaída faz parte do processo de mudança e pode ser uma boa aprendizagem e reforço para nova tentativa (Carneiro & Gigliotti, 2004, p. 103). Aqui o objectivo é fazer com que o paciente reentre o mais rápidamente na roda.

Baseando-se no Modelo de estágios de Mudança “A Entrevista Motivacional de Miller & Rollnick é a técnica mais actual desenvolvida para mudanças de comportamento” (Carneiro & Gigliotti, 2004, p. 103). Revolucionou o tratamento de Dependência Química e assenta em duas premissas básicas: De que existe uma abordagem para cada paciente dependendo do estágio de mudança em que a pessoa se encontre e que o estilo do terapeuta é mais importante do que a técnica eleita para o tratamento (Carneiro & Gigliotti, 2004, p. 103). Aqui ganha forma o quanto é importante mudar para determinada pessoa e quanto é que essa pessoa confia na sua capacidade para executar a mudança. Esta abordagem faz tábua rasa e evita qualquer rótulo. O modo como se lida com a resistência é fundamental para se implementar de forma eficiente a abordagem motivacional. Devendo-se usar técnicas reflexivas e respostas estratégicas (Carneiro & Gigliotti, 2004, p. 104).
A abordagem motivacional é directiva, vai buscar características as não-directivas mas estabelecem-se metas definidas e são utilizadas técnicas específicas para as alcançar (Miller & Rollnick, 1991 p. 47).
A Entrevista Motivacional propõe que os profissionais dêem sempre aos pacientes a sensação de que são eles que estão a fazer escolhas para a sua vida e que nada lhes está a ser imposto (Carneiro & Gigliotti, 2004, p. 107). A Remoção de Barreiras é um factor importante para a adesão ao tratamento e a acção do terapeuta é capaz de diminuir ou aumentar a resistência. Não sendo uma abordagem Rogeriana vai buscar conceitos como a Empatia a Rogers, como a capacidade de se colocar no lugar do outro. A empatia é uma forte preditora do sucesso terapêutico ao contrário dos métodos de confronto mais agressivos que não obtiveram nenhuma correlação com o sucesso do tratamento mas sim com o aumento das defesas e da desmotivação (Miller & Rollnick, 1991 p. 13). O seu grande objectivo é confrontar o paciente com a sua verdade e com uma estratégia para o aumento da motivação para a mudança e não é necessário aumentar o tom de voz. Se for dado feedback ao paciente sobre a sua condição e os riscos do seu comportamento de forma empática isso aumenta a probabilidade de o paciente ouvir e de se questionar (Carneiro & Gigliotti, 2004, p. 108).

O tratamento constitui um dos pilares fundamentais da acção estratégica do IDT na diminuição dos riscos e das consequências dos consumos de substâncias Químicas. E surge como forma de garantir a toda a população que o deseje, acesso em tempo útil a respostas terapêuticas integradas, disponibilizando uma oferta diversificada de programas de tratamento e de cuidados, contemplando uma vasta gama de abordagens psicossociais e farmacológicas, orientadas por princípios éticos e pela evidência cientifica (IDT, 2010)[11]. As estruturas de tratamento podem ser classificadas em Unidades Públicas, privadas e convencionadas e a Rede Nacional de Unidades de Tratamento inclui: Comunidades Terapêuticas, Clínicas de desabituação e Centros de Dia. As Equipas de Tratamento, ET, antigos Centros de Atendimento à Toxicodependência, CAT, estão integradas nos Centros de Respostas Integradas, CRI, unidades de intervenção local que prestam cuidados globais às pessoas com problemas de dependência e seus envolventes em regime de ambulatório ou em grupo e que engloba como principais valências: consultas de abordagem bio-psico-social; apoio psicoterapêutico; consultas médicas; programas terapêuticos com agonistas e Antagonistas, consulta a populações especiais, enfermagem e grupos de suporte terapêutico (IDT, 2010). Nestas ET são realizadas a triagem, a avaliação, o rastreio de doenças infecciosas, o plano terapêutico, o acompanhamento ou referenciação dos utentes. Sendo fundamental tratar o seu estado físico e psicológico dar-lhes suporte emocional, trabalhar a sua motivação para tratamento, ajudá-los a ultrapassar os seus sentimentos de insegurança, angústias, desespero, falta de confiança e de esperança, inerentes ao processo (IDT, 2010). As ET integram os 22 CRI do IDT, nos quais se cruzam várias áreas de missão de tratamento, reinserção, prevenção, redução de riscos e minimização de danos e dissuasão. Localizadas em várias partes do País, no total de 45 ET.
As Unidades de Desabituação são estruturas orientadas para internamentos de curta-duração para o tratamento da síndrome de privação para pessoas que não o conseguem fazer em ambulatório. As Comunidades Terapêuticas, CT, são unidades especializadas que prestam cuidados as pessoas que necessitam de internamento prolongado com apoio psicoterapêutico e socioterapêutico, com o objectivo de promover o seu tratamento e a sua ressocialização. Um internamento residencial tem, habitualmente, a duração de 3 a 12 meses, geralmente sem necessidade de medicação. O IDT dispõe de três destas unidades e estão licenciadas e convencionadas cerca de 72 privadas. Os Centros de Dia são estruturas de apoio ao tratamento e à reinserção e disponibilizam aos utentes actividades terapêuticas; educativas formativas e ocupacionais (IDT, 2010).
As Unidades de Alcoologia são serviços especializados no tratamento de pessoas com problemas ligados ao álcool, integradas desde Maio de 2007[12], na rede de tratamento do IDT. Compostas por três unidades: Porto, Coimbra e Lisboa, que disponibilizam serviços de consulta em ambulatório e internamento. Os utentes são atendidos por equipas multidisciplinares com valências: Médicos e Psiquiatras; Psicólogos; Técnicos de Serviço Social e psicossociais; nutricionistas, enfermeiros e outros auxiliares (IDT, 2010). Tratar, para recuperar os individuos com problemáticas Alcoolicas é missão da clínica e da Saúde.

Em suma, A Psicologia Clínica e da Saúde procura responder as exigências da vida na satisfação e no bem-estar dos indivíduos. Ao Psicólogo compete-lhe um saber prático fundamentado para a concretização dos objectivos terapêuticos bem como a responsabilidade da escolha das estratégias e técnicas para o sucesso da mudança pretendida. O Álcool adquiriu corpo próprio e evoluiu na história da Humanidade e aos comuns mortais deu-lhes o Alcoolismo, um fenómeno com raízes próprias e contextualizado e hoje reforça-se o tratamento para o Alcoólico.
Em Portugal o Instituto da Droga e Toxicodependência, IDT, regula e tutela os planos de acção para o Alcoolismo com a elaboração do Plano Nacional para a Redução dos Problemas Ligados ao Álcool de 2010 – 2012.
O Modelo Bio-Psico-Social, Minnesota, emergiu para compreender toda a problemática associada aos consumos adictivos do álcool e aos objectivos do tratamento bem como à sua normalização, seguindo critérios rigorosos de triagem e avaliação.
As componentes mais efectivas para um tratamento de sucesso estão no que a relação terapêutica consegue oferecer com o uso de estratégias próprias para levar à mudança dos comportamentos de risco. Com o tempo as abordagens que têm adquirido maior significância são as Cognitivo-Comportamentais para tratar o alcoolismo. A inclusão da Entrevista Motivacional veio reduzir as resistências ao tratamento fazendo pender a balança para a recuperação. A recaída faz parte do processo de mudança e  Prevenção à Recaída permite ajudar o paciente a reencontrar um caminho na “roda da mudança”. Ambas apresentam uma boa correlação para o sucesso da  recuperação na abordagem dos problemas ligados ao Alcoolismo. A filosofia dos A.A. é uma constante presente nesses programas, os Doze-Passos, para recuperar, destes grupos de auto-ajuda dão enfase à  abstinência e as reuniões aumentam, pela identificação, o processo de socialização e aderência à manutenção.
Em Portugal o Tratamento constitui um dos pilares fundamentais da acção estratégica do IDT, Instituto da Droga e da Toxicodependência, na diminuição de riscos e das consequências dos consumos de substâncias psico-activas. Os objectivos das comunidades terapêuticas incluem a habilitação e a reabilitação total do indivíduo dando inicio a uma aprendizagem de mudança dos comportamentos, de pensamentos e emoções que possam predispor ao consumo de álcool. Tendo como meta o desenvolvimento de um estilo de vida saudável.
Em anexo I são apresentados excertos da entrevista realizada com Dr.ª. Cristina Santos, Psicóloga da Unidade de Alcoologia de Lisboa do IDT, que amávelmente acedeu em nos retribuir o seu testemunho. E em Anexo II o Plano Nacional de Redução de riscos de Problemas Ligados ao Álcool 2010 – 2012, do IDT, 2009.




[1]  McQueen, K. A. (2004). Alcoholism. In: Rakel RE, Bope ET, eds. Conn's Current Therapy.
 In  (PNRPLA); Plano Nacional de Resolução de Problemas Ligados ao Álcool, IDT; 2009.
[2] World Drink Trends. (2005). Oxfordshire: World Advertising Research Center.
[3] Dawson, D.A., Goldstein. R.B., Chou S.P.;Ruan, W.J,;Grant, B.F. (2008) Age at First Drink and the First Incidence of Adult-Onset DSM-IV Alcohol Use Disorders. In Alcohol Clinica Experimental Research, Dec; 32 (12), pp 2149-60
[4] Jefferis, B.J.M.H. ; Power, C. ; Manor, O. (2005) Adolescent drinking level and adult binge
drinking in a national birth cohort. Addiction 100, nº 4, pp. 543-49.
[5] Organização Mundial de Saúde (1992). The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural
Disorders: Clinical Descriptions and Diagnostic Guidelines. Geneva: WHO.
[6] Organização Mundial de Saúde (1992). The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural
Disorders: Clinical Descriptions and Diagnostic Guidelines. Geneva: WHO.

[7] Médico e Conselheiro em Adicção. Terapeuta Comportamental e Cognitivo pela APTCC e Emocional pela APTE-PB.

[8] Alcoólicos Anónimos (2010); http:www.aaportugal.org/.
[9] Simpson, D.D., Joe, G.W., Lehman, W.E.K. & Sells, S.B., (1986); Addiction Careers: Etiology, Treatment and 12-Years of follow-up outcomes; Journal of Drug Issues 16 (1), 107-121.
[10] Miller, W. R. & Rollnick, S (1991); Motivational interviewing: Preparing People to Change Addictive Behavior; Guilford Publications, Inc.; NY, USA.

[11] http://www.idt.pt/PT/tratamento/paginas/redenacionaltratamento,aspx.
[12] Dec. Lei 221/2007 de 29 Maio. D. R.

*Álvaro Augusto dos Santos Carvalho, Gualdino Sacramento, Isabel Soares. 
Referências de Drª. Silvia Gabriel, obrigado pela tua ajuda e tese e os nossos agradecimentos a Drª.. Cristina Santos pela sua oientação e participação e Drª. Francisco Henriques por tudo.