O UNIVERSO PROMETEICO - Cronos.


* Álvaro Augusto dos Santos Carvalho, 2008.
"Na boa oratória, não deveria 
o espírito do orador conhecer a verdade 
do assunto sobre o qual vai falar" (Platão, em Fedro).

Por vezes a ilusão torna-se importante para dar sentido.
 «Um idoso cego e o seu neto estão sentados a beira de um rio. O neto vai fazendo o relato do que vê ao velhote; de um barco pequeno relata-lhe um veleiro enorme, gigante cheio de cores e flores, a um peixe fala-lhe de golfinhos e baleias. Aborrecido com aquela cena um homem resolve confrontar o cachopo: - Não, tens vergonha de gozar com um pobre cego e idoso, estando-lhe a mentir. Que desgraça a deste homem que além de ser cego tem um neto mentiroso.»
Quebrou-se o encantamento, a história perdeu o sentido. Não, não era uma mentira, era consentido e partilhado era uma forma de manter a ilusão.

Assim também parece ser feito a história das ideias, O Pensamento Contemporâneo, dos tempos sobra o que se conta ou o que se quer contar.

Introdução ao Séc XIX
Depois do Iluminismo, Aufklarung, do séc. XVIII, onde a razão tinha ganho sobre o sagrado, o Homem toma consciência de Si, era a saída da sua minoridade, das Trevas para a Luz. Era a Alegoria da Caverna de Platão, renascida para a libertação, da verdade, do homem. No séc. XIX a Cultura Europeia domina é o centro do mundo. A Industrialização tinha-se afirmado como uma necessidade. É o século do progresso, dos avanços tecnolgicos, cientificos, da poesia, do Romantismo. Neste século triunfam a história, o humanismo, a razão e a ciência. E o Homem? Quem é este Homem do século XIX? Que inicialmente era centro do universo, que era feito a imagem de Deus e aparece agora como elemento solitário numa natureza ilimitada. Filho da natureza.
Prometeu, esse Titã amigo dos homens,
intervém a favor do género humano
ao roubar o fogo aos deuses.
E conheceu uma interminável agonia,
 naquele cúme do Cáucaso onde uma águia
lhe devorava o figado que renascia sempre,
 não simboliza menos, por isso, o ímpeto da humanidade e,
apesar dos seus sofrimentos, o dinamismo dela;
ele ensina aos homens o conjunto
do saber que fundamenta a civilização...

...Prometeu dotou a humanidade do fogo, da “verdade” do “saber”, da astronomia, da matemática, da escrita, da navegação, da medicina, do pensamento, da capacidade...

No Romantismo o indivíduo tinha livre curso para a sua interpretação pessoal da existência, era um culto do Eu e a sua essência, o génio artístico. Foi um fenómeno urbano numa atitude anti-burguesa. Era dever do romântico viver a vida ou afastar-se dela sonhando.

“... O caminho misterioso conduz ao interior...” Os novos slogans eram “sentimento”, “fantasia”, “vivência” e “nostalgia”, “místico”.
O Romantismo não é só uma corrente, reflecte-se nas artes, na música, na pintura, na escrita, é um comportamento, uma filosofia, uma época, um estilo, uma forma de viver, de sentir, de conhecer a vida e se conhecer através dela. O homem precisa de se compreender.
Nunca antes fora tão rápido e estonteante o progresso científico e tecnológico. O século XIX é o tempo de Hegel, Kierkegaard, Marx, Nietzsche, Engels, Schopenhauer,  Schelling, Fichte, Fuerbach; De Chateaubriand, Balzac, Stendhal, Hugo, Flaubert, Berlioz, Tolstoi, Dostoievski; De Beethoven, Shumann, Wagner, Mendelson, Verdi; De Conte, darwin, W. James, Wundt, Husserl, Durkheim, Freud, Broca; De Goya, Delacroix, Manet; è o tempo dos jogos Olímpicos, do caminho de ferro, da velocidade da luz, do hidráulico, do alumínio, da destilação do petróleo, é a época da corrida do ouro, do canal de Suez, de Pasteur, de Mendel e das leis da hereditariedade, da dinamite, do cimento armado, do dinamo, da radioactividade, do motor de dois tempos, do telégrafo de Edison e do telefone, da lâmpada electica, da bicicleta, do bacilo de Kock, do automóvel, da metralhadora, da Kodac, da torre Eiffel, do raio X, da TSF, da aspirina, dos virus e dos microbios e dos grandes transatlanticos. É a Era Vitoriana e de Napoleão Bonaparte. Da Industrialização, das Revoluções, da Républica.
Neste século o Indivíduo surge como energia, é o tempo do Eu, dos sentimentos, é o tempo do heroi de René de Chateaubriand e do seu “mal de vivre” de “ennui”. É a época da ciência que tem tendência para se tornar a nova religião é o tempo das revoluções e das contradicções, são as ideias opostas que o estimulam ou o determinam, amar ou odiar. É um tempo de rupturas profundas. Há um combate de ideias e de idiais, há uma luta entre cristianismo e o racionalismo.
Um século de revoluções e de Contradições
 É um período de revoluções – politícas, económicas, sociais – que abalam a ordem antiga. A influência da era Industrial e da sua revolução, o maquinismo, que reduz o homem depois da sua Aufklarung a um objecto de mão-de-obra, o proletáriado – os filhos da revolução - vivendo na miséria. Pelo mundo inteiro o efeito borboleta traz um novo sistema de vida, é um homem aprisionado, agrilhoado, As emoções de um povo, da humanidade, são uma bipolaridade, do nojo a felicidade e da depressão a euforia como demonstra Flaubert na Educação Sentimental. A ciência é a nova religião com o positivismo de Comte. Ao homem romântico, esse René de chateaubriand que no seu “mal de vivre” sem esperança, doente, desiludido e melancólico escreve sobre si mesmo numa angústia de viver, opoêm-se o revolucionário em busca de história e de combates e também o burguês satisfeito que se apoia na ciência. E há a esperança, da caixa de Pandora, na ciência e no progresso. Léon Daudet fala mesmo num “estúpido séc. XIX” que se debate entre um passado e um futuro incerto. Vão nascer neste século grandes correntes de pensamente e sistemas como o socialismo e o marxismo. Novas religiões e a religião da ciência destinada a revelar o mistério do mundo , o Logos.
A primeira metade do século XIX
O Romantismo – Um movimento global
Essencialmente optimistas com o destino humano em oposição ao realismo, o romantismo é um movimento global que será marcado pelo Lirismo, pela subjectividade, pela emoção e pelo Eu. Traz, também, uma revolução no gosto literário, político, jurídico. É um movimento de libertação do eu pelas artes e nas artes. Na literatura é ilustrado por Chateaubriand considerado o pai do romantismo francês, em Musset  “Les Nuits” com temáticas do sofrimento amoroso, o amor e a inspiração e em Balzac com “La peu de chagrin”, onde a felicidade não existe para sempre, na pintura rejeita-se os dogmas académicos e com Delacroix “ A Liberdade guiando o Povo” pinta-se a liberdade como força do movimento, das paixões, com Goya em “ Saturno devorando os filhos” o choque, a insegurança e a naúsea e a natureza com Manet. Na música era Beethoven com serenata ao luar e era a exaltação aos sentimentos, a pulsão da vida. Berlim tornava-se o centro espiritual da Europa. Para os alemães marca destaque Fichte que é o seu mestre do pensamento e afirma a liberdade do eu, e que ter consciência de si próprio era um fenomeno social, dependia da interacção do meio. Desenvolveu também teorias sobre o Estado/Nação com o ideal de auto-eficácia. Houve, ainda, Schelling que desenvolveu uma filosofia simbólica da natureza. Contra a razão afirma-se as forças da intuição, do sonho ou da imaginação. Segundo, o mesmo, em toda a natureza pressentimos um espírito ordenador e estruturante. Achava que o homem trazia em si todo o universo e que por isso podia experienciar melhor o mistério do mundo se penetrasse dentro de si.
A escola romantica recusa o pensamento racional são herdeiros de Rousseau que era um Iluminista mas também foi um precursor do romantismo, para ele “ O homem nasce bom e a sociedade é que o corrompe” era o ideal romantico de um regresso ao passado e tal como se encontra  no seu contrato social “O homem nasce livre, porém em todos os lados está acorrentado” era o regresso do Mito.
Assim o romantismo exprime o retorno do sentimento, da sensibilidade e da intuição, únicos capazes de poder dar uma resposta ás almas apaixonadas pelo infinito
A caracteristica do Romantismo é uma espécie de êxtase, o sonho representa uma forma de alcançar o além e o infinito, é uma forma de visão, de sentir, de existir, de contemplação, é a mistica oriental e o sonho do poeta, é a “flor azul”de Novalis, que, sonha com essa flor, azul, e se! ao acordar essa flor estivesse na sua mão. O sonho aparece como oposição á miséria, a industrialização mequanicista do homem, era preciso sonhar dar vida a alma que tinha sido reduzida. Mas a geração romântica tem também um gosto pela história, é o interesse pelo passado e por si próprio. Com o apoio em documentos de arquivo Michelet escreve uma Introdução à História Universal e da História de França na Idade Média. A história não é só politica mas também de factos sociais, dos costumes e das tradições. Faz-se a hist´ria dos Povos.
Mas este movimento global é também a descoberta do indivíduo, a afirmação da singularidade, a busca do eu portador de diferenças. O heroí romantico busca o seu interior, o seu mistério e distingue um eu diferente de todos os outros, é o que se poderá dizer um Individualismo, era necessário cultivar a independência pessoal. É o tempo da confidência, na literatura o autor fala dele, de si próprio, do seu ser, da sua existência, da sua memória. Como se de uma introspecção se trata-se no divâ do psicanalista, são os romances autobiográficos, é o tempo dos diários intimos, do Conto, do Poeta.
O aparecimento do indivíduo deve-se em parte as esperanças não realizadas de uma história. Afirma-se a importância da Fé por Jacobi, filósofo alemão, essa fé que implica uma relação entra a finitude encarnada pelo homem e o verdadeiro absoluto. O homem quer ser eterno e acredita que faz parte de um todo. O “mal du siécle” de que padecia o homem, de culpa, de tristeza, do medo, de melancólia, tinha sido o resultado da sua revolta, a moral caminhava junto dele, “A insustentável leveza do ser” de Kundera. O peso da herança. O homem era o estrangeiro, estranho dele mesmo, de Camus. E a sua libertação era voltar ao que tinha renegado, ao Panteísmo, que é, aquele que acredita e ou que tem a percepção da Natureza e do Universo como divindade, e não atribuíe a nenhum tipo de divindade a origem do Universo, da vida e da espécie humana. A sua lei são as ciências naturais, a lei natural.
E, é assim que o homem se volta para a natureza como refúgio contra o “mal du siécle” é o consolo face ao sofrimento. O poeta canta o mundo e o artista esforça-se por apreender os laços do espírito, a natureza e a imensidão. Concebia-se a natureza como local de comunhão e de unidade. Era preciso no dizer de shelling um pensamento que se esforce por reencontrar as sínteses desaparecidas, as que unem o eu a natureza. O progresso de diversas diciplinas provoca as especializações e a fragmentação das disciplinas é o tempo da interdisciplinaridade.
As ciências fundamentam-se e realça-se a importância do inconsciente para o conhecimento da vida. A importância da relação médico – paciente, tratar a doença e tratar o doente, firma-se a empatia, a importãncia da somatização, pois a alma estava doente, o cuidar da neurose, da angústia do que adoece pelo sofrimento de viver, era já numa perspectiva o indivíduo numa dimensão Bio-Psico-Social. O essêncial da ciência romântica mantém-se viva através da recuperação da unidade perdida, da noção de conjunto cósmico, a visão da natureza como organismo animado, que vive em si e com vida em si, era assim o homem, ser original único, individualidade que apenas obedece à sua lei específica fundindo-se na vida universal. Diferente de Kant onde imperava "...o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim..."
No progresso humano, a parte essencial pertence à força viva, a que chamamos homem. O Homem é o seu próprio Prometeu.


CONCLUSÃO – Cronos e Prometeu
Este meio século viveu uma fértil renovação das ideias filosóficas, científicas, políticas.
O impulso da ciência experimental, desde Galileo Galileia que deu instrumentos a ciência, à revolução Copérnica que descentraliza o homem do centro do mundo, e em Giordano Bruno que morreu por nós na fogueira, o homem não está só a imagem de deus neste Universo infinito de Multiversos, e em todo o seu caminho até ao século XIX leva os pensadores ou filósofos a defenir-se em relação a ciência. É Amar ou Ódiar. O progresso aumenta incessantemente. Os romanticos opõem-se, o ócio era o ideal do génio. Era dever do Homem romantico viver a vida ou afastar-se dela sonhando. Os filisteus é que se deviam preocupar com os assuntos do dia a dia. Há um paralelismo com a cultura Hippie 150 anos depois.

CRONOS (Saturno)
Cronos representa a passagem dos Deuses Antigos para os Deuses Olimpicos. O Mito diz que a esposa de Urano era Gaia (a terra) e que cada vez que gaia tinha um filho, Urano o devolvia ao ventre de gaia. Cansada disto, gaia tramou-o com o seu filho Cronos. E fez do seu próprio seio uma pedra em forma de lâmina e deu-a a Cronos. Cronos esperou que Urano dormisse e castrou-o. Cronos atirou os testículos de Urano no mar, onde se formou uma espuma de esperma, de onde saíu Afrodite deuda do Amor. Depois disto Cronos reinou entre os deuses num período de prosperidade conhecido como Idade Dourada. Mas uma profecia dizia que ele seria um dia vencido por um filho seu. Assim, temendo uma revolta ele passou a devorar os seus próprios filhos assim que nasciam. Até que a profecia se cumpriu, e Zeus, auxiliado pela mãe, Réia, destronou-o, na guerra. Zeus libertou definitivamente seus irmãos.

Transferindo o mito, com base psicanalitica e representação social pode-se dizer que a sua adoção pelos romanticos vai ao encontro da história do homem - A Idade Média, O Pai Tirano, os velhos sistemas castradores representados por Urano. Gaia representa a mãe terra. A castração do pai pelo filho sendo, a posse do objecto falico e interpretado como a libertação dos dogmas, a descentralização, a razão em oposição à religião, e que da dor nasce o amor, ideal romantico. Depois Cronos reina na Idade Dourada tal como o iluminismo, mas a Aufklarung traz um "mal du siécle", é Crono devorando os seus filhos com medo da revolta. Então como se de uma guerra se trata-se entre Religião e Ciência, o homem é libertado pela natureza (terra) pela mãe. Esta vinculação permite ao homem definitivamente libertar seus irmãos. Era o Romantismo em toda a sua ascensão. Transferir isto para as famílias não é dificil basta identificar o papel desde o Pai, a mãe e do filho mais velho ao do filho mais novo e as suas caracteristicas.

PROMETEU
O século XIX concretiza as certezas da ciência positiva, de Comte, Prometeu, heroí popular na Àtica, passa por ter ensinado aos homens o saber que fundamenta a civilização; a arte de trabalhar, de construir, de curar.
A Civilização Europeia, prometeica, caracteriza-se pelo gosto pela acção e pela fé no homem.