domingo, 13 de novembro de 2011

Consultório do Tobias



De novo em consulta, hoje o Tobias apareceu-me ou pareceu-me algo eufórico, falando muito de tudo de todos, dos meninos que estavam na rua com skates e que correu atrás deles e de uma bola mas que era muito grande para os sentes e que isso o arreliava, mas que correu muito, foi giro. Depois ouve uma menina que ele acha que não gosta de cães pois chorou e assustou-se quando o viu, depois ela quando ia a correr para o pai, atirou-se para o chão e que ele tinha saltado a volta dela mas que ela chorava mais ainda, que triste disse: uma menina com medo. Eu expliquei-lhe as normas não são iguais para todos e que a menina estava era com medo e não aceitou isso porque não fez nada e acha que ela é que não sabe brincar e que deve ter algum problema pois se os outros meninos brincam com ele e até o chamam esta menina está fora da norma e que os pais se deviam preocupar mais com ela pois ter medo não faz sentido. E queria continuar a falar dos outros e interroguei sobre o que é que isso lhe fazia sentir? Sentir? Sentir, como? Disse com um ar algo zangado e estranho. O que é que eu devia sentir por causa de a menina não saber brincar? Pensei cá para mim nos meus inventários de conhecimentos que ele podia estar a ter um problema de auto-estima pois parece-me que precisa de se relacionar com todos dá mesma maneira e precisa de ser reconhecido nestas atitudes sociais. Bem! Interrompeu o Tobias os meus pensamentos enquanto eu olhava para os sinais físicos que me pudessem ajudar a compreender melhor a sua euforia de hoje. Bem! Voltou a dizer, as pessoas acham piada por eu ser pequenino, o que me dá a liberdade de fazer xixi onde quero e cocó, também tudo se aceita quando temos graça, e eu sei, me comportar de forma a ser aceite sem muitas ondas, nas calmas. As vezes mandam para a casota e sei que foi injusto e vou contrariado, mas vou que é para não se aborrecerem mais e assim pensam que sou bem-educado, “Sou um bom cãozinho” sempre fui. Mas é preciso uma paciência a determinadas regras, e acho que devia era ir para padre já que sou virgem, só me falta é um desgosto de amor para ter vocação. Bem continuava a falar por falar como se não quisesse falar dele, mas fosse dando pistas para eu entrar, parecia que me estava a testar, a mim? À minha prática, à minha ajuda. Até que depois de um valente silêncio, disparou, tenho vindo as consultas só faltei por causa da greve, e não sei se isto resulta mesmo, não vejo avanços, no outro dia fui daqui ainda mais triste e resolvi meter acção e fui para a rua ladrar e houve uma cadelinha que está sempre em casa, gira com um laço que esteve a ver as minhas brincadeiras com os miúdos eles até me puseram em cima do skate e eu corri muito e saltei cheio de vitalidade. Ora aqui está pensei eu fugiu-lhe a boca para a verdade e por isso está eufórico, não, não está, isso é a minha interpretação à sua alteração, ele está é motivado por algo novo lhe estar a surgir e são sentimentos naturais pois se nos dizem que é nos relacionamentos que se controla a nossa auto-estima, se ele não se sentisse com pica, com adrenalina, iria desencadear um falso sentido de perigo perante a realidade biológica a qual ele não deve bloquear, para alguns tratamentos ou abordagens é melhor mantê-los parados que é igual a estáveis ou deprimidos para se poder dar medicação, é tudo um ciclo, esquematizado de negação do eu pela normalização de um padrão que se quer controlado, maduro dizem uns que é o contrário de infantil. Não há maior mentira nisto, é tudo uma questão de conveniência. Mas voltamos à consulta, da última vez entrei com sentido que me faltava qualquer coisa mas esta semana, tenho-me sentido melhor, não sei se é do tempo, da lua cheia, de estarmos no verão de São Martinho, mas estou mais Up, mais energético. Coloquei nova pregunta no final do seu discurso: - não mudaste de ração? continuas a fazer as mesmas coisas? Sim está tudo igual bem tenho jogado um pouco mais de Nintendo mas nada que me tira tempo. Nintendo? Perguntei eu. Sim Nintendo é um novo modelo que saiu e estou a experimentar, é só empurrar com a minha pata. Notei que no seu ar sério ao falar, ele me pareceu um rottweiler e não um caniche Toy e pensei que, ele só tem dois anos mas está maduro para o tamanho e parece hoje aceitar-se mais, na sua condição. Estávamos quase a chegar ao fim da sessão, sendo verdade que as sessões não tem fim, mas que apenas são um percurso em etapas que vamos percorrendo, não há fim na obra do artista, pelo menos é o que ensina a História dos homens que o artista nunca alcança o final da sua obra e que pode até cegar com isso e que a história da humanidade em círculos viciosos continua a procura da sua estória. Em final de sessão fizemos um apanhado sobre o que falamos e com alguma informação básica reforcei que a euforia confundida com alegria, satisfação ou outro tipo de definição apenas serve, ao ser identificada para se tentar parar o comportamento, e que aquele que o identifica se encontra portador de algo só por ele conhecido. portanto um eu desconhecido é apresentado ao outro. O Tobias olhava para mim com ar de curiosidade mas discordou totalmente, algo que não se deve fazer ao terapeuta pois pode ser identificado como arrogância. Mas convencido, afirmou! Sim ou Não, isso tudo depende do que se quer ver ou fazer parecer. Como é que sabes que eu não te estou a enganar ou a despistar? Porque pensas que é assim tão benéfico para mim saber do motivo deste estado de espirito, não me chega a mim só e apenas o prazer de o sentir ou detestar, não me compete só a mim? Eh, lá! Então? Interrompi eu. Qual é o problema? O que se passa para quê toda esta reactividade, pensei eu entre os meus botões (mais tarde em supervisão fui analisar o que me provoca a reactividade do outro ou seja não fui analisar a sua reactividade, mas como terapeuta observei também a causa da sua reactividade, numa analise transaccional) algo de mim despoletou aquilo, pois é matemática simples comportamento gere comportamento, mesmo que não queiramos ou então posso justificar que é a sua dificuldade, a sua intolerância ou sempre dizer que esse comportamento é intolerável, santa ingenuidade a minha, sobre o controlo da sessão e do outro. E o Tobias respondeu-me com calma: Problema? Qual problema? Quem disse que havia um problema? Pois é, como é que eu fui nisto.
Tobias! Anda, vamos à rua!
Álvaro Carvalho, 11 de Novembro de 2011.

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