De novo em
consulta, hoje o Tobias apareceu-me ou pareceu-me algo eufórico, falando muito
de tudo de todos, dos meninos que estavam na rua com skates e que correu atrás
deles e de uma bola mas que era muito grande para os sentes e que isso o
arreliava, mas que correu muito, foi giro. Depois ouve uma menina que ele acha
que não gosta de cães pois chorou e assustou-se quando o viu, depois ela quando
ia a correr para o pai, atirou-se para o chão e que ele tinha saltado a volta
dela mas que ela chorava mais ainda, que triste disse: uma menina com medo. Eu
expliquei-lhe as normas não são iguais para todos e que a menina estava era com
medo e não aceitou isso porque não fez nada e acha que ela é que não sabe
brincar e que deve ter algum problema pois se os outros meninos brincam com ele
e até o chamam esta menina está fora da norma e que os pais se deviam preocupar
mais com ela pois ter medo não faz sentido. E queria continuar a falar dos
outros e interroguei sobre o que é que isso lhe fazia sentir? Sentir? Sentir,
como? Disse com um ar algo zangado e estranho. O que é que eu devia sentir por
causa de a menina não saber brincar? Pensei cá para mim nos meus inventários de
conhecimentos que ele podia estar a ter um problema de auto-estima pois
parece-me que precisa de se relacionar com todos dá mesma maneira e precisa de
ser reconhecido nestas atitudes sociais. Bem! Interrompeu o Tobias os meus
pensamentos enquanto eu olhava para os sinais físicos que me pudessem ajudar a
compreender melhor a sua euforia de hoje. Bem! Voltou a dizer, as pessoas acham
piada por eu ser pequenino, o que me dá a liberdade de fazer xixi onde quero e
cocó, também tudo se aceita quando temos graça, e eu sei, me comportar de forma
a ser aceite sem muitas ondas, nas calmas. As vezes mandam para a casota e sei
que foi injusto e vou contrariado, mas vou que é para não se aborrecerem mais e
assim pensam que sou bem-educado, “Sou um bom cãozinho” sempre fui. Mas é
preciso uma paciência a determinadas regras, e acho que devia era ir para padre
já que sou virgem, só me falta é um desgosto de amor para ter vocação. Bem
continuava a falar por falar como se não quisesse falar dele, mas fosse dando
pistas para eu entrar, parecia que me estava a testar, a mim? À minha prática,
à minha ajuda. Até que depois de um valente silêncio, disparou, tenho vindo as
consultas só faltei por causa da greve, e não sei se isto resulta mesmo, não
vejo avanços, no outro dia fui daqui ainda mais triste e resolvi meter acção e
fui para a rua ladrar e houve uma cadelinha que está sempre em casa, gira com
um laço que esteve a ver as minhas brincadeiras com os miúdos eles até me
puseram em cima do skate e eu corri muito e saltei cheio de vitalidade. Ora
aqui está pensei eu fugiu-lhe a boca para a verdade e por isso está eufórico,
não, não está, isso é a minha interpretação à sua alteração, ele está é
motivado por algo novo lhe estar a surgir e são sentimentos naturais pois se
nos dizem que é nos relacionamentos que se controla a nossa auto-estima, se ele
não se sentisse com pica, com adrenalina, iria desencadear um falso sentido de
perigo perante a realidade biológica a qual ele não deve bloquear, para alguns
tratamentos ou abordagens é melhor mantê-los parados que é igual a estáveis ou
deprimidos para se poder dar medicação, é tudo um ciclo, esquematizado de
negação do eu pela normalização de um padrão que se quer controlado, maduro
dizem uns que é o contrário de infantil. Não há maior mentira nisto, é tudo uma
questão de conveniência. Mas voltamos à consulta, da última vez entrei com
sentido que me faltava qualquer coisa mas esta semana, tenho-me sentido melhor,
não sei se é do tempo, da lua cheia, de estarmos no verão de São Martinho, mas
estou mais Up, mais energético. Coloquei nova pregunta no final do seu
discurso: - não mudaste de ração? continuas a fazer as mesmas coisas? Sim está
tudo igual bem tenho jogado um pouco mais de Nintendo mas nada que me tira
tempo. Nintendo? Perguntei eu. Sim Nintendo é um novo modelo que saiu e estou a
experimentar, é só empurrar com a minha pata. Notei que no seu ar sério ao
falar, ele me pareceu um rottweiler e não um caniche Toy e pensei que, ele só
tem dois anos mas está maduro para o tamanho e parece hoje aceitar-se mais, na
sua condição. Estávamos quase a chegar ao fim da sessão, sendo verdade que as
sessões não tem fim, mas que apenas são um percurso em etapas que vamos
percorrendo, não há fim na obra do artista, pelo menos é o que ensina a
História dos homens que o artista nunca alcança o final da sua obra e que pode
até cegar com isso e que a história da humanidade em círculos viciosos continua
a procura da sua estória. Em final de sessão fizemos um apanhado sobre o que
falamos e com alguma informação básica reforcei que a euforia confundida com
alegria, satisfação ou outro tipo de definição apenas serve, ao ser
identificada para se tentar parar o comportamento, e que aquele que o
identifica se encontra portador de algo só por ele conhecido. portanto um eu
desconhecido é apresentado ao outro. O Tobias olhava para mim com ar de
curiosidade mas discordou totalmente, algo que não se deve fazer ao terapeuta
pois pode ser identificado como arrogância. Mas convencido, afirmou! Sim ou Não,
isso tudo depende do que se quer ver ou fazer parecer. Como é que sabes que eu
não te estou a enganar ou a despistar? Porque pensas que é assim tão benéfico
para mim saber do motivo deste estado de espirito, não me chega a mim só e
apenas o prazer de o sentir ou detestar, não me compete só a mim? Eh, lá!
Então? Interrompi eu. Qual é o problema? O que se passa para quê toda esta
reactividade, pensei eu entre os meus botões (mais tarde em supervisão fui
analisar o que me provoca a reactividade do outro ou seja não fui analisar a
sua reactividade, mas como terapeuta observei também a causa da sua
reactividade, numa analise transaccional) algo de mim despoletou aquilo, pois é
matemática simples comportamento gere comportamento, mesmo que não queiramos ou
então posso justificar que é a sua dificuldade, a sua intolerância ou sempre
dizer que esse comportamento é intolerável, santa ingenuidade a minha, sobre o
controlo da sessão e do outro. E o Tobias respondeu-me com calma: Problema?
Qual problema? Quem disse que havia um problema? Pois é, como é que eu fui
nisto.
Tobias! Anda, vamos à rua!
Álvaro Carvalho, 11 de Novembro
de 2011.
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