quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O Tobias foi à consulta da ALMA


Vi que ele não andava bem e resolvi fazer outra consulta com o Tobias, marquei para fora da sua casota para não ser no seu território e fomos para o sofá, o meu território. O Tobias apareceu-me, assim como se vai as consultas, na consulta, triste, cabisbaixo, demorou até começar a falar e eu esperei em silêncio terapêutico convidando ao profundo pensamento e ele entre excitações lá foi dizendo: - ( que não tem namorada e pensa que se fosse um Rottweiler seria mais fácil. Seria mais fácil ser desejado, com menos esforço chegaria lá e que ouviu dizer, por aí, nos livros e na TV, que as pessoas podem ter ego e sentir orgulho. Eu perguntei-lhe depois de um silêncio, mas o que é que te impede? De quê, perguntou-me ele, num ar longe com os pensamentos voando em imagens por ele imaginadas de tudo e de nada. Há, tenho medo! Medo? Questionei eu, medo de quê? Então ele com calma foi dizendo, que: - Não sei! Mas lembro-me de uma vez, ler o “Principezinho” e fiquei com medo, nem dormi durante alguns dias, perturbado com a sua solidão e com a sua procura, à procura de um amigo. Que cruel foi aquele Saint Exupéry. Bem, aqui fiquei mais preocupado, pois pensei, não sei se hei-de de aplicar-lhe algum método quantitativo ou se vou ao cinema com ele, ver o “Alice no País das Maravilhas” do Tim B. para ele poder ter identificação e não se sentir tão sozinho, mas no cinema ainda me sinto mais só disse num latido triste, o meu Tobias. E continuou, falta-me qualquer coisa que me dê prazer, assim forte, potente, ouvi falar de sexo e não conheço, sou virgem e tenho vergonha, disse baixinho, mas depois aumentando o tom reforçou, que: - mas aos cães lá da rua, vou à janela e ladro muito, como eles, para me fazer notar e eles assim pensam que eu já tive muitas, “experiências” e que sou difícil e forte como um rottweiler. Pensei em ir-lhe buscar um espelho, para ele se ver, mas podia-lhe criar uma falha narcísica e Orkut zangar-se-ia comigo dizendo que:  - Essa fenda! não é para entrar, escolhe pré-Contemplação.  Bem como estamos em consulta de forma holística, vou tentar entendê-lo, com empatia, viajando com ele, vou ser ele sem deixar de ser eu. É como se esta angústia de ter que ter prazer e sexualidade fosse comandada pelos meus genes, como disse o R. Dawkins, os memes, e que antecipando o perigo de não deixar descendentes eu vá sofrendo de angústia por oposição ao prazer que devia sentir, não sou livre, custa-me a respirar, doí-me o peito se calhar vou antes ao médico. Sobre a angústia da decisão. Do problema da angústia ser determinado pela antecipação de um perigo como o sentimento de ausência de defesas ou o fracasso da razão. Aqui vi-lhe uma lágrima e lembrei-me do Pathos, Logos e Ethos, fugi para não sentir pois não me posso emocionar quando estou em consulta tenho que ser “rottweiler” mas sereno. Passei o assunto para mim, tomei-lhe o leme e dei-lhe um rumo e resolvi falar-lhe dá angústia de Freud e de Kierkegaard e disse-me que já tinha lido isso tudo e que não o fazia sentir melhor. Disse-me que já foi religioso e existencialista, mas que não pode fugir dele. Já tinham passado mais ou menos 52 minutos no relógio de parede que eu observava sem que ele notasse para não ficar comprometida a nossa relação, pelo tempo e num tom calmo e amigável disse-lhe bem por hoje chegamos a fim e vamos marcar uma próxima consulta. Tu é que sabes, levas-me a rua? Claro, anda!
Álvaro Carvalho, 10 de Novembro de 2011.

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